Demolidor – 2° Temporada | Crítica


Pequenos SPOILERS

A 1° temporada de Demolidor é amplamente considerada a melhor série de super-herói já feita, mesmo que Jessica Jones tenha sido uma ótima série com um vilão sensacional, dificilmente se iguala ao que o primeiro ano do “Homem sem Medo” na Netflix. A segunda temporada tinha o difícil, mas não impossível, trabalho de se igualar a primeira ou superá-la e se esse não foi o caso, é difícil superar uma série que foi mais do que boa, foi uma surpresa, ao menos essa continuação não deixa a bola cair e nos traz algo tão bom quanto poderíamos esperar, mesmo com os mais altos padrões de comparação.

A primeira temporada da série mostrava Matt Murdock lutando para recuperar o submundo de Nova York do controle que Wilson Fisk tomou após a destruição que aconteceu por lá graças ao primeiro filme dos Vingadores. Nesse segundo ano a série se apoia menos no universo expandido da Marvel nos cinemas e prefere brincar no seu próprio pequeno universo Netflix, inserindo personagens como Justiceiro e Elektra, além de fazer as já esperadas e costumeiras menções a Jessica Jones e Luke Cage, e até uma repetição da referência ao Punho de Ferro.

Se aventurando sozinha, narrativamente, a série ganha e perde muito. Ela ganha porque muitas coisas que soavam gratuitas no ano anterior, menções e relações que embora não precisassem ser forçadas, pareceram estar lá de forma deslocada, não acontecem mais, entretanto ela perde porque a sensação de perigo extremo que o Demolidor enfrenta é bem tola as vezes, quando lembramos que nesse mesmo mundo existe os Vingadores, embora a série pareça querer fazer você esquecer disso. Na boa, relaxe Murdock, A Mão não vai dominar um mundo em que o Ultron e o Loki foram derrotados.

A principal ameaça do ano é A Mão, um grupo de vilões clássicos do Demolidor dos quadrinhos e que está mais ou menos bem representada na tela. Mas essa não é a única ameaça que o “Vermelho” tem que enfrentar, pois os quatro primeiros episódios são focados no Justiceiro e o que segue a partir daí são conexões intermináveis de subtramas e de novos vilões pipocando daqui e de lá, personagens antigos voltando, personagens novos surgindo e indo embora numa confusão narrativa que no final das contas ainda consegue ser bem divertida.

O resultado dessa "superconexão" de tramas é misto, enquanto algumas coisas funcionam muito bem, nenhuma delas funciona perfeitamente e o tempo todo. Nos três temas principais da série esse ano, que é a relação entre o Demolidor e o Justiceiro e seus pontos de vista diferentes sobre o heroísmo, a sua relação com a Elektra e quem ela é na verdade e a relação tripla entre Matt, Foggy e Karen, todas elas são muito bem exploradas e todas elas têm seus problemas de lógica também.

Ainda que eu precise ressaltar que ver Karen deixar de ser secretaria, para virar advogada, detetive e jornalista no mesmo ano é um mistério maior que o Céu Negro no primeiro ano.

Para começar nos problemas desses três temas principais, o ideal de “não matar” do Demolidor ao passar da série parece mais uma auto-sugestão do que um ideal inquebrável, o que torna os primeiros episódios sobre o Justiceiro um pouco inúteis. Já todo o mistério por trás de Elektra é amadoramente mal explicado e ainda subutiliza o mistério mais bacana da primeira temporada da série, o Céu Negro. Aliás, muito da forma como a série retrata A Mão é amadora, com explicações vagas, contraditórias e que não explicam nada, mas com o clima de que o público já está a par de tudo que precisam saber.

Já a parte da trama que enfoca a relação entre Matt, Foggy e Karen é a menos prejudicada com uma trama cheio de conexões.  Eles claramente se utilizam daquela velha ferramenta de roteiro de personagens que não conseguem se comunicar claramente para criar tensão entre eles, mas em geral tudo funciona bem, o impasse entre Foggy e Matt é palpável e genuíno e o romance entre Karen e Matt, embora falte a mesma química que o romance entre ele e Elektra tenha, ainda soa crível e funciona.
Dos personagens novos o Justiceiro e a Elektra têm o maior destaque, como era de se esperar.  Esse primeiro é um personagem bastante diferente em termos de background do que ele é nos quadrinhos, mas a essência é a mesma e a profundidade que Jon Bernthal concede a Frank Castle é interessante, tornando ele algo mais do que o “cara que quer vingança e mata e tortura bandidos” que ele é nos quadrinhos, existe muitas nuances de até onde vai os limites de Castle e ele se mostra um dos personagens mais sábios da história em pelo menos dois momentos. No primeiro quando ele e Karen conversam sobre a relação dela com Matt e de como as pessoas que eles amam podem ser “brutais” e um segundo momento, quando o Demolidor finalmente diz a ele que vai permitir “uma única morte” para evitar conflito e o Justiceiro responde que “não é assim que funciona, quando você cruzar a linha não tem mais volta”, tentando preservar o código do Demolidor, mesmo sabendo que isso vai atrapalhá-lo.

Mas ainda assim o charme desse segundo ano é Elektra, vivida belamente pela Elodie Yung. A personagem, assim como o Justiceiro, tem o seu background bastante modificado, mas o espírito e a ideia da ninja assassina permanece intacto. Ela é a força guia da maior trama desse ano e parece que se a série tiver uma terceira temporada, ela também será a força guia da próxima. Ela esbanja charme, deboche e violência o tempo todo e ao mesmo tempo guarda uma vulnerabilidade e um sentimento real para Matt que parecem contraditórios com o que ela mostra ser. A química de Elodie Yung com Charlie Cox é muito boa e as cenas de flashback com os dois são empolgantes e mostram um Matt Murdock bem mais solto e feliz do que o de hoje, provavelmente graças a companhia em que está. Uma pena que toda a explicação do final de quem ela é seja tão ruim.

É engraçado, contudo, que mesmo com todos ninjas, Justiceiro, Elektra, traficantes, gangues, magia (?) e tudo o mais que está acontecendo, em nenhum momento a sensação de ameaça é a mesma que o primeiro ano tinha, apenas ver Vincent D'onofrio e sua atuação brilhante como o Rei do Crime inseria tensão na cena. E isso pode soar como um spoiler (mas é pequeno e eu avisei lá em cima), mas ver o Rei do Crime de volta traz essa tensão para a tela mais uma vez. D’onofrio apesar de não ter sido anunciado nesse segundo ano, tem uma participação importante e extensa na série, aparecendo em vários episódios até por bastante tempo a partir do oitavo.

Talvez a melhor cena dessa temporada seja o encontro de Matt e do Rei do Crime novamente, quando Matt achou que era esperto o suficiente para ameaçar Wilson Fisk de forma eficaz e então é pego de surpresa por um vilão implacável e assustador que faz o “Homem sem Medo” se calar e engolir seco a sua ameaça.

Eu disse que “talvez” a melhor cena da série tenha sido entre Fisk e Murdock, porque no terceiro episódio temos uma nova cena de luta em plano sequencia ainda mais bonita do que a luta do segundo episódio da primeira temporada. Tudo bem, talvez falte, assim como no segundo ano inteiro, o impacto de ver algo como aquilo pela primeira vez, mas a maestria da execução da cena não pode ser subestimada. E ela não é a única, diversas outras lutas são muito bem executadas, outra em especial que merece menção é uma com o Matt e a Elektra disfarçados ema festa chique, onde só vemos os movimentos deles por detrás de um vidro embaçado, que acaba deixando tudo muito bonito. Mas vale dizer também que em certo momento a série tem lutas demais ao ponto delas começarem a parecer repetitivas e você pode até virar os olhos pensando “ok, mais uma luta, posso adiantar?”

Antes de terminar vale falar sobre o visual da série em si, que mantém a identidade da fotografia amarela e vermelha da temporada original e os diretores que trabalharam na série continuam com uma habilidade especial para fazer belos enquadramentos dignos de grandes produções hollywoodianas, coisas que quase não vemos muito na TV, embora podemos ver sim em maior quantidade na Netflix.

A 2° temporada de Demolidor só não é tão boa quanto a 1° porque o ano original teve mais do que qualidade, foi uma baita surpresa que elevou o nível de séries de super-heróis onde nenhuma outra série jamais conseguiu alcançar, mas ao menos essa temporada manteve a qualidade lá no alto com grandes novos personagens, embora ela tenha aqui e ali um problema com a forma como encaixar suas tramas e com o fato de estar inserindo coisas e personagens novos quando na verdade ela deveria estar preparando seu desfecho. No geral já estamos ansiosos para mais uma temporada do herói cego da Marvel, se a Netflix confirmar um novo ano e se depender da qualidade desse, já pode se preparar para ver Demolidor, Elektra e Justiceiro ano que vem. 

Patreon de O Vértice