O Duplo | Crítica
Inspirado com liberdade no romance de Dostoiéviski, O Duplo é uma comédia peculiar, astuciosa e de aparência fina. Ayoade entalha na mecânica visual do longa um sentido de estética distinto e que só poderia provir de um cineasta de paladar tão único.
Simon (Eisenberg) é um sujeito solitário, melancólico e rejeitado por todos. Até que tudo muda. Simon passa a dividir espaço no seu escritório de trabalho (e na sua vida pessoal) com um homem com a sua aparência, porém com uma personalidade oposta à sua.
Eisenberg está esplêndido, muito embora o seu herói seja um resquício do que fez em A Rede Social e o seu doppelgänger um vestígio do que nunca deveria ter tentado no estúpido Truque de Mestre. A transição entre os dois egos é orgânica e os seus trejeitos, em ambos os casos, bastante persuasivos. Um dos casos onde o ‘convencer’ sobrepõe o ‘representar’. Wasikowska tem a simpatia e acabou por aí o que dá para comentar sobre o cast. É um show de um homem só mesmo. Ou dois.
Ayoade imaginou uma cinematografia multíplice que flerta com um design arquitetônico tirânico, uma paleta minimalista de cores lúgubres e tantos outros pontos-chave que dispõe no espaço. São inúmeros retoques à narrativa do filme, um legítimo dicionário gráfico próprio. Desde a dispersão de luz – que corta sempre ao meio a figura do protagonista e transforma-o num forasteiro em todos os ambientes por onde passa – à produção de objetos e cenários – que fazem referência aos de regimes comunistas em seus traços grosseiros –. E por alguma razão, os trechos com o telescópio me fazem recordar de Janela Indiscreta, o que nunca é algo ruim de se conseguir.
O abuso do dourado, vermelho e azul, merece um tópico à parte. O dourado, que personifica a tristeza, banha completamente o personagem de Eisenberg quando este ouve uma notícia devastadora. E o azul, que é a encarnação de algo parecido à esperança, faz sempre companhia à paixão de Eisenberg, porém a cor se desvanece quando ela se compromete a outro homem. É uma beleza de se dar espasmos aos olhos.
A harmonia entre a construção do protagonista e o trabalho de sonoplastia é bonita. A vastidão de sons tecnológicos que invadem a pista de áudio principal incomodam o espectador e nada fazem à Eisenberg. O seu Simon é metódico, desajustado e acanhado. Uma máquina dentro de uma carcaça humana sem qualquer noção de como se relacionar com outros.
O compasso de Ayoade para o script não é dos melhores. A trama, que em nada peca no bom humor, é deficiente em ritmo e foco. A carência de substância é um estorvo, pois embora o argumento não seja – diferente do que é de se esperar de uma premissa tão hermética – expositivo, também não é entusiasmado como deveria. Ao menos, Ayoade mostra não ter a arrogância de que realizadores maiores – como o egocêntrico Christopher Nolan – esbanjam. O velho e simplório artifício de ‘pista e recompensa’ é tudo que Ayoade precisa para contar a sua história.
O Duplo é autêntico, honesto e cortês no que toca ao seu valor intelectual. Trata o espectador com afeição, porém não o subestima. Possui alguns erros de cálculos na pontuação rítimica, porém jamais é enfadonho. O visual é estonteante. Falta foco, sobra conteúdo.