House of Cards – 3° temporada | Crítica
Misture um pouquinho de descaracterização de personagens, desuso de boas ideias, conflitos dispersos e nada engajadores com um mínimo toque de tudo de genial que vimos nos dois anos anteriores e essa é a 3° temporada de House of Cards, que deixou de ser genial, um adjetivo raramente usado de forma adequada, mas que aqui sempre coube, para ser uma boa série e ainda assim, House of Cards ser uma boa série é uma enorme decepção.
Uma das coisas mais interessantes de ver nas duas temporadas anteriores de House of Cards era Frank Underwood no ataque, certamente depois que ele assumiu a presidência eu imaginei que a temporada com ele nesse cargo seria o oposto, Frank deveria se defender e eu estava certo, mas o que eu não sabia é que o personagem só tinha inteligência o suficiente para atacar e que é até razoavelmente burro para se defender.
Parte do roteiro desse ano precisou transformar nossos queridos vilões, Frank e Claire (não vamos esquecer que essa última também é uma vilã, ainda que em menor grau) em idiotas que não percebem coisas de baixo do seu nariz e que perderam completamente o tato social que tanto tiveram anteriormente, Frank simplesmente berra com as pessoas até elas terem motivos para o trair, de fato ele fez isso umas 3 ou 4 vezes esse ano e é incrível que alguém como ele não tenha aprendido a desistir dessa mania. E Claire, que estragou tudo o que fez durante seu tempo como primeira dama, virou também uma adolescente de 15 anos que não saber expressar seus sentimentos e suas vontades em um casamento no qual ela sempre dominou tão bem antes.
Um final bem triste para dois personagens que eu tanto amava, ambos tornando-se estúpidos, por sorte ainda não é o final de fato, é possível que tenhamos uma 4° temporada, é bem provável na verdade porque pelo histórico da Netflix, independente desse ano ser um sucesso ou não, eles nunca se preocuparam tanto com isso.
Mas se Frank e Claire não tivessem sido estúpidos o suficiente pela temporada inteira, o ano foi dividido quase que 40% para Doug Stamper, que infelizmente não morreu no ano anterior e passou a temporada toda para fazer uma coisa que ele poderia ter feito muito mais facilmente antes. Stamper tem um tempo absurdo em tela, mas é um personagem tão complicado que ele não consegue se desenvolver a ponto de nunca sabermos o que ele está pensando, e sua personalidade não é um mistério divertido, é um mistério que nos faz pensar em desligar a Netflix toda vez que ele aparece.
E Stamper não é a única coisa irritante que aconteceu nessa temporada, toda a relação entre o Presidente e o escritor Thomas Yates é simplesmente absurda, nós já vimos o lado bissexual de Frank pelo menos uma vez em todas as temporadas, seja com seu amigo de faculdade no primeiro ano ou com seu segurança no segundo, isso é um aspecto claro do personagem, o que não é um aspecto claro dele é sua imprudência sempre que precisa de uma tensão homoerótica no ar, imprudência que ele não tinha nem com Zoe Barnes no primeiro ano, que era um caso fixo seu e nossa, como ela fez falta, já que o jornalismo político dessa vez é representado como... bem, como o jornalismo político brasileiro se formos pensar, ou você é um estúpido que acredita em tudo ou publica sem sequer se preocupar em acreditar, ou VEJA só, você é um fanático chato que quer fazer oposição até quando o político em questão espirra.
Uma das coisas que mais me decepcionou esse ano foi a falta de uso para a famosa “quebra da quarta parede” de Frank, uma das coisas mais divertidas da série foi completamente limada dela por diversos episódios seguidos e quando era usada não havia nenhum motivo para tal, soava quase que como um fanservice, eu entendo que boa parte do motivo desse aspecto da série existir no primeiro e segundo ano é para evitar ter um personagem orelha naquele meio, Frank precisa nos explicar o que está acontecendo e o que ele está planejando, e ele faz isso diretamente, esse ano a necessidade é menor, Frank passa mais tempo se defendendo do que atacando e isso também soa quase que uma confiança em nossa inteligência de entender tudo que está se passando, mas isso também soa um pouco de falta de criatividade, simplesmente descontinuar um formato estabelecido por não haver mais função pra ele, que tal ajudar a construir Frank com isso? Suas emoções? Seus sentimentos? Ou porque não dar esse poder de quebrar a quarta parede para Claire? Ela é tão protagonista quando ele, seria no mínimo chocante ver isso acontecer.
Mas nem tudo é ruim no terceiro ano, na verdade quase nada é, por mais que eu tenha reclamado um pouco acima, é porque eu não consegui conceber House of Cards sendo só boa. Então vamos falar das coisas realmente boas a partir de agora.
Thomas Yates, apesar de sua relação com Frank ser consideravelmente imprudente, ele é um personagem sensacional, que é construído em poucos episódios com uma maestria que não foi usada em personagens como Doug em três anos inteiros. Toda sua relação com o “seu” livro Escorpião, com sua habilidade de escrita e especialmente o primeiro capítulo de seu livro sobre o presidente são fantásticos, alias, eu certamente compraria aquele livro se a Netflix resolvesse lançar como peça de marketing para uma provável 4° temporada.
Outros personagens que foram bem explorados esse ano foram Jackie Sharp e Remy Danton e sua relação conturbada. Esse ano na verdade, Jackie se provou uma das personagens mais humanas no meio de toda aquela bagunça política, ela erra honestamente, é ambiciosa, tem limites morais vagos, mas existentes e dúvidas constantes sobre seus sentimentos pessoais, eu não me importaria de ver mais sobre ela no próximo ano, assim como Remy, que mostrou que é mais do que um cara bonitão e mesquinho num terno caro quando enfrentou Frank.
A forma como a série lidou com o “problema” da Rússia também foi bem interessante, especialmente na caracterização de Lars Mikkelsen como Vladmir Putin...err... quer dizer, como Viktor Petrov, um personagem excessivamente parecido com o presidente Russo real, inclusive manifestantes do movimento Pussy Riot real estavam na série protestando também na ficção. Toda a “diplomacia” entre Frank e Viktor foi muito divertida, em um momento especifico Viktor fala sobre como já matou um homem em sua época de KGB (parecido demais) e pergunta a Frank se ele teria a mesma coragem, eu certamente senti falta nesse momento de Frank olhar para câmera com um sorriso e depois negar, mas mesmo com os roteiristas tendo esquecido completamente esse recurso, Viktor foi inteligente por si só para deduzir que Frank seria sim capaz de matar.
Já que eu falei sobre semelhança com a realidade na série, com o movimento Pussy Riot e com Vladmir Putin, vale mencionar também a presença de ninguém menos que Stephen Colbert já no primeiro episódio do ano, onde ele com seu humor impecável estraçalha Frank Underwood na TV. Quem me conhece sabe que eu sou muito fã de Colbert e vê-lo na série ainda no primeiro episódio (quando eu ainda não tinha me decepcionado com a temporada) foi um dos pontos altos da série.
Para terminar as coisas boas, a forma como o casamento de Frank e Claire é retratado, pelo menos antes dos 3 últimos episódios onde nada faz muito sentido, é muito interessante, a frase no livro de Yates “o eixo da terra entortou quando eles se uniram” é bem condizente com o que vemos da parceria dos dois, eles são mesmo uma parceria arrasadora que no final acaba sendo prejudicada por problemas de roteiro, esse ano provavelmente é dedicado a explorar o casamento dos dois acima de tudo, o que foi uma escolha interessante de tema, desnudar a força por trás das figuras de Presidente Americano e a Primeira Dama, das figuras de Frank e Claire, para ver do que eles são feitos. Até certo ponto a série faz isso muito bem, mas em algum momento ela descaracteriza os personagens de forma conveniente para o final que ela quis dar, um final que acontece basicamente nos últimos 10 segundos de série e que é chocante e falso em iguais proporções.
O Frank que eu conheço jamais faria o que fez com a mulher que ele tão ferozmente disse que protegeria episódios antes, a Claire que eu conheço não esqueceria seus últimos 3 ou 4 erros fatais e colocaria a culpa no marido por algo que ela sempre soube como seria. E o mais importante, o casal Underwood que eu conheço nunca teria deixado de pensar na solução obvia para aquele impasse: Frank Underwood para Presidente em 2016, Claire Underwood para Presidente em 2020.
Todos os personagens foram um pouco descaracterizados esse ano, até mesmo a purista e implacável Heather Dunbar, que era interessante justamente por ser incorruptível, cedeu e subornou Doug por 2 milhões para conseguir algo que destruiria a vida pública de Claire, mas dois episódios antes ela simplesmente negou vencer a campanha simplesmente dando um cargo a uma pessoa, ela venceria de uma forma quase limpa e ela se negou por querer ser honesta, dois episódio depois ela tenta jogar o mais sujo possível? Não há coerência nisso, só conveniência.
Mas quem mais sofre com essa descaracterização é Frank, Frank Underwood é o cara que matou Peter Russo e Zoe Barnes e ainda assim nós não conseguimos deixar de adorá-lo no passado, Frank nos desafiava por ser igualmente cruel e carismático, desafia por ser impossível não gostar dele mesmo com tudo que ele fazia, esse ano, porém, todo o seu carisma se esvaiu, ele virou o cara que grita interminavelmente com as pessoas que ele precisa e no fim as afasta. Frank deixou de ser igualmente carismático e cruel para virar igualmente imbecil e cruel e essa é uma péssima combinação para um protagonista.
Mas eu tenho que admitir, não é uma combinação péssima o suficiente para que eu desista de espera-lo novamente ano que vem, mas de preferência que ele volte com uma forma um pouco melhor.