Vício Inerente | Crítica
Paul Thomas Anderson está entre os meus realizadores estadunidenses prediletos dos tempos modernos. Vejo-me, então, por questões que vão além da honestidade, forçado a adiantar que Vício Inerente é inferior a quase todos os outros longas da sua formosa filmografia. E também não tenho outra escolha lógica a não ser afirmar que o ‘inferior’ de Anderson ainda é superior ao trabalho de muitos dos seus compatriotas.
Los Angeles, anos 60. Acompanhamos o detetive particular Larry "Doc" Sportello ao longo da investigação de um sequestro, que acaba resultando em muitos casos mais, todos eles absurdamente malucos e conspiratórios. Na comédia policial estrelada por Joaquin Phoenix (que está no ponto ideal do caricato), o diretor constrói um noir que é rico em dois aspectos: no idioma estilístico do próprio gênero – femme fatale, magnatas corruptos, moral em tons de cinza – e na sua genética artística – as estúrdias apimentadas de Boogie Nights: Prazer Sem Limites –. Logo, se há algo de que não podemos acusar Vício Inerente, é de ser um filme incompleto ou esquemático.
Em feições técnicas, é requintado, mimoso e afetado na mais perfeita medida, bem como a atenção histórica (quando despida, Waterston, de interpretação igualmente encantadora, mostra não conhecer a recente tradição de depilação, digamos apenas). O repertório de músicas é estupendo. Há um momento em que Phoenix faz uma leitura e a sua voz se funde com a sinfonia de fundo, criando uma simpática ilusão de canto. Parte dos diretores de design de produção e arte de Anderson um olhar rigoroso e inspirado. O que há para se mais celebrar é, com toda a clareza, o figurino e as cores.
O agente infiltrado de Owen Wilson, por exemplo, veste um casaco com camuflagem militar, numa simbologia bastante meticulosa. O verde, que, para não ser mais óbvio, simboliza a cannabis, também muitas vezes é adotado para dar cor ao que traz ou pode trazer felicidade ou qualquer espécie de consolação ao entorpecido protagonista – o telefone através do qual consegue informações acerca dos casos, a peça íntima do vestuário da mulher com quem está prestes a se deitar, o automóvel no qual foge de uma ocasião de perigo –, rimando com a sua relação amorosa com a droga.
A composição cômica não se desvia da pura astúcia. As piadas variam: ora visuais – como a maneira com a qual Anderson filma a mulher do policial vivido por Brolin (ó-ti-mo!), sempre de costas ou do pescoço para baixo, como num cartoon –, ora verbais – “Uranus, the planet of rude surprises” –. Os close-ups no bloco de notas de Doc adicionam ainda mais charme ao figurão com quê de Jeff Lebowski que ele já é. E serve também para pontuar algumas tiradas político-sociais, como o conflito/romance entre Bigfoot e Doc, em alusão ao conflito/romance entre conservadores e liberais.
O plot é confuso e semi-ininteligível, tornando mais fácil a tarefa de encarar o argumento (adaptado) como uma sátira aos filmes de investigação do que como uma trama rígida. Uma enorme porcentagem dos seus minutos de projeção é sonolenta e arrastada. E o que mais espanta é que Anderson transparece ter tido intenção em assim fazê-lo, como se quisesse que o longa fosse tão nublado, débil e desatento quanto a mente do seu protagonista.
Embora não seja o mais filme delicado do cineasta, há por trás de Vício Inerente outro vício, um que não posso contrapor: Paul Thomas Anderson é a minha erva.