Orphan Black - 1° Temporada | Crítica

O maior e talvez único erro de Orphan Black é do seu departamento de Marketing, o fato de liberar o segredo da série antes de o piloto ser sequer exibido é simplesmente... estupidez. E se isso não bastasse, ao fim dos créditos da série segue o comercial do próximo episódio que simplesmente mata qualquer surpresa que o episódio possa revelar. O departamento de “controle de spoilers” se é que existe um (tá bom, eu sei que não existe) deveria estar dormindo quando o Marketing criava os comerciais.


Eu não vejo como não culpar isso a falta de confiança que o canal, BBC America, tinha na série, mas isso de revelar os atrativos da serie de antemão com certeza não ajudou em nada, pois você provavelmente não ouviu falar da série e eu não estarei sendo Hipster em dizer que não por isso, mas apesar disso, Orphan Black é a melhor série que foi exibida na TV em 2013 até o momento. Sim, eu considero Orphan Black melhor do que a terceira temporada de The Walking Dead e Game of Thrones e melhor até do que a primeira temporada de Hannibal. Se eu considerar nessa lista a Netflix, Orphan Black está no mesmo nível de House of Cards, não de escrita, direção ou estética, mas simplesmente em poder dramático. Isso pode soar uma surpresa pra você que talvez não tenha ouvido falar da série, mas sem dúvida é o que eu acho, assista e comprove.


Realmente é difícil falar da trama sem estragar boa parte das surpresas, mas vamos ao básico. Sarah Manning, nossa protagonista interpretada por Tatiana Maslany é uma órfã aparentemente adepta ao estilo Punk-Rock, já foi usuária de drogas e traficante, mas tem uma filha da qual não possui a guarda no momento e está tentando melhorar de vida para conseguir sua filha de volta. Uma oportunidade então surge quando Sarah vê no metro uma mulher exatamente idêntica a ela se suicidando. A mulher é Beth Childs, uma detetive que tem, depois de morta, sua identidade roubada por Sarah. Porém Sarah descobre que não era apenas Beth que era idêntica a ela, mas também outras, outras 8 mulheres (até o momento) são visual e geneticamente idênticas a Sarah.


A resposta para isso? Clonagem... e é só isso que eu direi da trama.


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A trama tem um pé no realismo e na verossimilhança assustador, ainda que coisas como os neovolucionistas extrapolem o nível de realidade e passe a série mais para o gênero Ficção Cientifica, ainda assim são apenas pequenas coisas que fogem desse limite. No inicio, especialmente no inicio do primeiro episódio é complicado saber em que tipo de mundo Sarah e seu irmão Felix vivem, uma distopia? Um futuro negro qualquer? Tudo parece distorcido na vida de Sarah, mas aparentemente a impressão só fica assim até vermos, uns 20 minutos depois o mundo de Beth Childs, e assim compreendermos o quão desesperada Sarah estava para roubar a identidade da detetive e realmente viver uma realidade... normal.


Orphan Black tem duas forças principais que tornam a série excepcional do jeito que é, a primeira é a estrutura de sua trama. Tal qual um, vou arriscar, Homeland, a série presa muito pouco por seus lugares comuns e suas zonas de conforto. A trama que de inicio parecia ser um caso de troca de identidade do tipo que nos deixar pensando “Puxa, quando será que Art ou Paul vão descobrir que essa é a Sarah e não é Beth de verdade?” e quando menos esperamos, não, o foco não é mais esse, o foco é um grupo fundamentalista da igreja, depois são neovolucionistas, depois “os criadores”, depois um milhões de outras coisas.


Esse tipo de série tem um problema perpetuo que é; como sustentar algo tão instável assim por tanto tempo sem que comece a se tornar chato, previsível, inverossímil ou raso? No caso de Homeland a ideia de perdurar é realmente se reinventar, esquecer o lugar comum e criar um novo lugar para contar uma história, já Orphan Black não me pareceu fazer o mesmo movimento, ainda que com um fim de temporada magnifico, as pontas soltas que sobraram para a segunda temporada não parecem que seguram 10 episódios com o mesmo gás que a trama da primeira temporada segurou, é claro, se não surgir nada novo.


Minha saída para os produtores seria, já que abandonar o assunto clonagem se mostraria contraproducente, focar na segunda e maior força da série; Tatiana Maslany.


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Não vejo como Tatiana Maslany não ganhar todos os prêmios relacionados a atriz de TV esse ano e o melhor é que ela pode ganhar tanto de protagonista ou de coadjuvante, já que ela interpreta diversos papeis na trama. Maslany é uma força incomum da cena desconhecida da TV americana. A atriz consegue interpretar diversos personagens com a mesma aparência de forma tão poderosa que nem por um minuto deixamos de acreditar que são pessoas diferentes. A rebeldia autocontida de Sarah, agora no papel duplo vivendo a vida de Beth, a crise neurótica de Alysson, uma mãe do subúrbio, a nerdice despojada e cientifica (e pouco obvia) de Cosima e por último e a melhor de todas, a fragilidade psicológica e instabilidade de Helena, o “Anjo Irritado”.


Todas essas personagens e até outras em menor grau são interpretadas por Maslany perfeitamente. Eu mal posso começar a imaginar o trabalho que foi para os diretores montarem as cenas em sua cabeça antes de filma-las. Um caos com certeza, mas que jamais transparece em tela, nesse caso meus parabéns também aos editores da série, foi um trabalho difícil eu posso apostar.


Talvez, de todo esse grupo, o único defeito fique por conta da personagem Alysson.


O roteiro não tem tanto cuidado com Alysson quanto tem com Sarah/Beth, com Cosima e com Helena. Alysson tem seus bons momentos como alivio cômico ao lado de Felix, mas também tem sua dose de drama, mas toda a sua história parece forçada demais, por horas é cômica demais ao ponto de destoar do restante, outras horas é trágica demais, como o fim do seu arco, que literalmente quebra a construção da própria personagem. Espero que os roteiristas consigam levar em frente o final do arco de Alysson e não tenham simplesmente criado esse final de forma gratuita.


Já que é para falar de problemas de roteiros, eu acredito que além de Alysson o outro único problema fique com a resolução de Cosima desvendando o próprio código genético... bem, é abusar muito da nossa suspensão de descrença nos apresentar aquela teoria. Simplesmente nada daquilo tem a menor lógica.


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Mas como eu mencionei alivio cômico, Felix, irmão adotivo de Sarah interpretado brilhantemente por Jordan Gavaris é mais uma grande força da série. Felix é gay, michê, traficante, mentiroso, problemático, depravado e é claro artista plástico. Felix é uma bela composição. A interpretação de Gavaris é irrepreensível. O personagem é o principal alivio cômico da série, ao lado de Alysson, mas diferente dessa, ele nunca destoa do contexto geral, pois ele é o caos encarnado e o melhor, ao ponto em que ele é, como diríamos “porra louca” com tudo o que o cerca, ele é também o braço direito de Sarah/Beth e sabe alinhar sua atitude quando sua irmã precisa dele, variando seu cinismo geral para verdadeira preocupação em certas cenas, até mesmo o “girl power” que ele e Alysson (que por acaso ele detesta) dividem em um certo episódio é uma espécie de ligação emocional tão tênue que passa quase imperceptível. Eu disse antes que Alysson é uma personagem um pouco forçada, mas não é culpa de Maslany e sim do roteiro, pois Maslany e Gavaris juntos fazem um trabalho bonito de se ver na TV, é natural, é antagônico em certos momentos, é amigável, fraternal, cínico e emocional, tudo isso num pacote só.


Como eu havia dito, Orphan Black é uma série de ficção cientifica que não abusa da ficção, e é uma série de drama na melhor definição da palavra, sempre há um conflito em tela, ainda que não seja o que você espera. Com praticamente um plot-twist e um cliffhanger em cada episódio, todos parecendo orgânicos, Orphan Black conseguiu me conquistar plenamente nessa primeira temporada, pena não ter conseguido conquistar a popularidade com o grande público.


Talvez Tatiana Maslany, apesar de bonita, não tenha o visual certo para chamar a atenção do grande público, ou talvez uma trama baseada no tema de clonagem e troca de identidades já esteja batida, ou o título da série seja genérico demais, mas acreditem, não há absolutamente nada de genérico ou batido em Orphan Black, especialmente em sua trama e em sua protagonista.


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