The Magicians – 1° Temporada | Crítica


Se tem uma série da SyFy que você tem que dar atenção hoje, essa série é The Magicians, aliás, se tem uma série esse ano que tem o poder de concorrer “a melhor nova série de 2016” certamente é The Magicians.

Adaptada da aclamada trilogia de livros de Lev Grossman, The Magicians conta a história de um garoto “escolhido” que acaba sendo convidado para uma escola de magia, que ocupa um lugar no mundo real, mas está oculta das pessoas normais (esses trouxas) e lá acaba descobrindo que precisa enfrentar um vilão que já o odeia de antemão por algo do passado, embora ele não saiba o motivo, mas ache que o poderoso diretor da escola esconde algo sobre o assunto. Sim, se você pensou em Harry Potter após ler isso você não está errado, acontece que The Magicians é uma espécie de brincadeira sórdida com os chavões da literatura fantástica infantojuvenil, eu diria que The Magicians está para Harry Potter como Game of Thrones está para Senhor dos Anéis. Ambos são incríveis, ambos estão em territórios bem parecidos, mas eles têm uma diferença primordial na forma em que inserem a realidade nua e crua (e cruel) na fantasia clássica.

Agora que eu escrevi essa frase, lembrei que o próprio George R.R. Martin disse: “Os Magos está para Harry Potter como uma dose de uísque puro malte está para uma xícara de chá”.

Obviamente Martin se referia aos livros de Grossman e não a série de TV em si que nem tinha saído quando essa frase foi escrita. Eu mesmo fui procurar o livro do autor após ver apenas o primeiro e chocante piloto da série e comprovo que é de uma escrita brilhante, complexa e ao mesmo tempo um pouco pesada, ainda que na escola Tolkien, ela possa ser um pouco lenta para alguns gostos. Para se ter uma ideia, as coisas "chocantes" que acontecem no piloto de The Magicians não acontecem nem após as 100 páginas do primeiro livro.


Obviamente o formato de TV teve muito a ganhar com essa história, e dá para elogiar o SyFy por não ter se perdido e não ter feito o público se perder mesmo após entrar em meandros narrativos mais complexos, como paradoxos e viagens temporais, diversos mundos, deuses e tudo mais que você pode imaginar.

Entretanto, a versão TV, talvez por orçamento limitado ou por inexperiência do canal (ou dos criadores) por incapacidade ou saiba se lá o porquê, peca em diversos quesitos que transformam The Magicians em “uma ótima série” quando ela poderia estar no nível de ser chamada de “a nova Game of Thrones”. Existe uma falta de elegância em The Magicians que sobra nas grandes séries da atualidade.

Elegância visual que combine com a elegância narrativa, ou ao menos a elegância da trama que está sendo contada, já que o roteiro tem um problema aqui e ali também, no geral as atuações são medianas e a direção é a mais óbvia imaginável, como por exemplo, as cenas em netherlands, que se utilizam do famoso "ângulo holandês" para mostrar que há algo errado com aquele lugar, onde na verdade, há algo errado em todos os lugares da série. Visualmente há também muitos takes fechados quando os personagens estão em mundos fantásticos, que claramente mostra que o orçamento para a direção de arte é bem limitada e que acaba interferindo na imersão e na qualidade geral da obra.

O que há para se amar então na série se pontos tão vitais são de medíocres para bons? Bem, a mitologia de The Magicians no geral é espetacular, a história que está sendo contada é viciante e apesar de ser parecida com diversos clássicos da narrativa de fantasia, ela é uma versão subversiva desses clássicos com diversos twists sombrios e impensados e principalmente pelos personagens, você vai amar e odiar todos os personagens da série e você vai adorar tanto amá-los quanto odiá-los.



Os personagens se degradam e se superam só para se degradar novamente com o tempo, Quentin parece apenas um nerd chato nos primeiros episódios, mas vamos nos acostumando com a normalidade dele e nos identificamos com ela o que faz ele ser um excelente protagonista no fim das contas, o que é estranho, especialmente porque não é difícil se pegar virando os olhos quando a gente pensa que é um cara desses que guia toda a história, Julia é desprezível na maioria dos primeiros episódios, especialmente no 4° episódio (talvez o melhor da série) onde ela faz uma crueldade absurda e a partir daí é ladeira abaixo com ela, parece que estamos acompanhando uma viciada em drogas tentando se viciar ainda mais e é exatamente o que a série quer que achamos, mas com o tempo, não apenas a sua trama acaba ficando mais interessante que todas as outras na série, como ela cresce e vira uma das personagens mais fortes da história. Alice parece ser a "Hermione da vez" e ela até é, e isso é legal, mas depois de um tempo ela acaba virando uma pessoa um tanto complicada e quase insuportável, talvez como uma Hermione na vida real seria. Já Elliot, que facilmente rouba a cena sempre que aparece, passa de um estereotipo fácil no início para alguém complexo e interessante, para depois virar apenas uma pessoa deprimente e autodestrutiva e que sempre causa problemas, para no final voltar a ser incrível mais uma vez. Penny, outro estereotipo clássico nos primeiros episódios (e até muito divertido por isso) acaba ganhando cada vez mais camadas, chega a um ponto de ser uma espécie de "segundo protagonista" e cada vez mais sente o peso de ter que se adaptar a grupos e relações sociais, o que acaba sendo um interessante estudo de como desenvolver um personagem. Já a Margo... bem, a Margo é extraordinária o tempo todo, ela é quem tem menos a fazer dentre o grupo de personagens, mas coincidentemente é a minha favorita fácil entre eles, um momento em especial quando ela vivencia a sua possível morte e a vemos vulnerável e perguntando a Elliot se ela é "fabulosa" é surpreendentemente poderoso, especialmente porque ela ganha menos tempo de tela que os demais. 

O lance com os personagens e porque nos identificamos tanto com eles, porque os odiamos em um momento, o amamos em outro para voltarmos a odiá-los depois é porque eles são reais de certa forma, alguns aparentam ser estereótipos clássicos no inicio, mas é só prestar a atenção e alguns episódios depois aquelas pessoas são completas, cheias de altos e baixos e não são pessoas únicas cuja personalidade é tão especial só pode ser encontrada na ficção, eles são pessoas como as que você pode encontrar no dia a dia, elas talvez sejam como você, exceto que nesse caso elas sabem magia.



A mitologia da série em si é bem interessante e a série consegue explica-la de certa forma sendo uma metralhadora de referências a cultura pop, já que é fácil assumir que quem consome essa série é uma pessoa moderna que consome diversas outras obras em gêneros semelhantes. As referências assumidas de The Magicians vão desde Doctor Who, os contos do Rei Arthur, Game of Thrones, Senhor dos Anéis, Indiana Jones, Star Trek, Kill Bill e o próprio Harry Potter.

Coincidentemente para entender a narrativa da série basta dizer que ela se passa em uma versão do mundo onde existe tudo o que existe em nosso mundo, exceto... As Crônicas de Narnia. Sim, pode parecer estranho, mas embora exista Harry Potter que tem uma ideia principal idêntica a The Magicians e os próprios personagens brinquem com isso, é As Crônicas de Narnia que não existe por questões processuais, já que na série existe a série de livros chamada Fillory e Além que é uma série escrita por um senhor de nariz aquilino que conta a história de quatro crianças que entram em um móvel da casa e vão parar em um mundo mágico com um deus animalesco e que precisam enfrentar uma feiticeira.

Sim, é mais uma brincadeira com chavões da literatura fantástica, acontece que a trama inteira é sobre Fillory (a Narnia dessa mitologia) e sobre como não apenas as crianças do livro são reais, como o próprio mundo mágico é real e o grande vilão da série é um ser desse mundo e o protagonista da série, Quentin, basicamente é protagonista por ser um nerd que leu milhões de vezes esses livros e ser um fanboy da saga. Sim, essa é a ideia.

A mitologia não é rica por si, ela na verdade pega diversas outras obras e brinca com as ideias delas, contudo há uma invencionice nessa brincadeira e um grau de complexidade brilhante, isso para não dizer até que há umas viradas mais sombrias do que você pode esperar no final (como o que acontece com os Free Traders e a versão da série para o Loki, chamado Reynard a Raposa) e outras bizarramente e desconfortavelmente cômicas que você jamais conseguiria conciliar com outras obras da literatura (como a forma que o Aslam... digo Ember usa para fortalecer uma pessoa).

The Magicians, quanto série de TV é uma obra imperfeita e com alguns problemas, por outro lado é fácil enxergar muito mais as suas qualidades e ficar absorto na sua espetacular mitologia e conversar por horas com seus amigos sobre esses personagens, sobre esse mundo e sobre as suas referências e sobre como a série nos faz rir e nos faz ficar chocados com a sua incrível história e suas ótimas sacadas.



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