Jessica Jones – 1° Temporada | Crítica


Depois que Demolidor marcou a bandeira facilmente como melhor série sobre super-heróis já feita, provando que a parceria entre Marvel e Netflix não poderia se provar mais interessante. Jessica Jones estava sendo esperada com bastante hype, tanto por ser o segundo fruto dessa parceria destinada ao sucesso, quanto por ser uma adaptação da sensacional saga em quadrinhos chamada Alias.

O resultado disso? Jessica Jones cumpriu o hype sendo uma grande série, mas fica um patamar abaixo de Demolidor em quase todos os quesitos. Provavelmente nem é a segunda melhor série da Marvel Studios, já que não podemos esquecer que a ABC lançou uma sensacional temporada de Agent Carter no início desse ano.

Apesar de manter o nível de qualidade das produções tanto da Marvel quanto da Netflix no topo, a série apresenta alguns probleminhas de estrutura, de direção e especialmente de roteiro. Mas como as qualidades superam e muito os problemas, vamos começar por elas.

De cara, assim como nas HQs, a série nos mostra um canto mais sujo e complexo do universo Marvel, onde vilões não se preocupam em controlar poderes cosmosmicos, nem em destruir a terra jogando uma cidade nela e sim em coisas mais realistas e por isso mais assustadoras, como mutilações, abusos, torturas, estupros, assassinatos e coisas desse nível. E a nossa heroína é tão traumatizada e dura quanto alguém que vive nesse canto deveria ser.


A Jessica Jones da série é a exata figura de alguém que vive num mundo como o dela, o que vai de contra o que a Marvel costuma fazer com seus heróis normalmente. Dificilmente nós acreditaríamos que o Tony Stark de Robert Donwey. Jr poderia ser o piadista sarcástico, playboy, gênio e filantropo que é se enfrentasse o mesmo que Jessica já enfrentou e ainda enfrenta.

A showrunner Melissa Rosenberg não parece ter medo de injetar sexo e mais sexo no mundo da Marvel com a série. Volta e meia tem uma cena que nos faz pensar “ok, essa história da Marvel não vai ser vista por uma criança”, ou pelo menos não deveria ser vista. Ainda que já em Demolidor a violência seja bem caprichada, Jessica Jones mantém esse nível e até aumenta em alguns momentos específicos, mas abre essa nova área sexual ainda não explorada em nenhuma obra cinematográfica e televisiva do estúdio. Sem contar que Rosenberg também não parece ter medo de entrar em temas mais complexos e polêmicos como o estupro, transformando claramente o vilão em um estuprador, além de outros péssimos rótulos que você poderia dar ele.

A parte do sexo na série se dá graças a adição de Luke Cage, ótimo personagem na TV que foi muito bem interpretado por Mike Colter, sua participação apesar de não ser em todos os episódios, é bem ampla, importante e bem feita. O suficiente para me deixar ainda mais ansioso pela sua série solo, especialmente se tiver a participação de Jessica Jones na série dele, afinal a química de Colter e Ritter é excelente.

A parte da violência (e do estupro) vem graças a Kilgrave, personagem que é o Homem Púrpura dos quadrinhos e é maravilhosamente bem interpretado pelo
10° DoutorDavid Tennant.  E o vilão de Jessica Jones é ao mesmo tempo a maior qualidade da série e o maior defeito. Porque? Eu explico.


Assim como em Batman: O Cavaleiro das Trevas, Jessica Jones parece ser uma série sobre o vilão e não sobre a heroína. Kilgrave rouba a cena sempre que aparece e até quando não aparece, ele é provavelmente o melhor vilão da Marvel Studios, talvez sendo ameaçado no posto apenas por Loki. Não há qualquer problema a ser discutido sobre a qualidade do personagem, ou sobre a atuação brilhante de Tennant, nem sobre suas ações ou até sobre suas motivações… ok, as motivações podem até serem discutidas, elas podem parecer tolas e bobas as vezes, mas o cara é um lunático e não chega a fugir do realismo e da verossimilhança da série. O problema que o Kilgrave gera para a série é que todo o mundo de Jessica gira em torno dele, até o que não gira num primeiro momento, convenientemente acaba girando sobre ele algum momento.

O roteiro de Jessica Jones criou seu vilão tão brilhantemente, que mesmo a Jessica parece estar lá apenas para combate-lo. Kilgrave e Jones tem a relação semelhante, mas ao mesmo tempo oposta à do Batman e Coringa. Enquanto o vilão existe graças ao herói nas HQs do Homem Morcego, aqui a heroína existe graças ao vilão. Se Krysten Ritter não estivesse dando o melhor de si no papel, Jessica Jones poderia até parecer uma personagem fraca, ela já parece um pouco chata as vezes (eu não sei como ninguém manda ela achar um psicólogo durante a série) e dificilmente conseguiria levar a série com um vilão diferente como seu antagonista.

Por mais que Jessica não seja tão interessante quanto Kilgrave e provavelmente não tão interessante SEM Kilgrave, não dá para não dizer que sua relação com Trish “Patsy” Walker não seja bem feita. Trish, interpretada por Rachel Taylor é nos quadrinhos a heroína Felina e parece uma boa substituição para a Carol Danvers/Miss Marvel que nos quadrinhos é a melhor amiga de Jessica, pra falar a verdade a relação delas na série é muito melhor que a relação delas nos quadrinhos. A relação de Jessica com Hope, interpretada pela ótima e desconhecida Erin Moriarty também é interessante, ela estabelece muito bem os temas da série, já que tudo o que Jessica faz ou deixa de fazer é para salvar Hope e essa personagem define muito bem o vilão da série antes mesmo dele aparecer, quando ela diz que a heroína deveria se matar, apenas por saber que Kilgrave quer ela.


Contudo, todos os personagens secundários ganham espaço demais em subtramas que parecem que não levariam a lugar algum, mas acabam levando inevitavelmente a Kilgrave, ainda que de forma sempre conveniente ou absurda demais. Uma hora ou outra todos os personagens são usados por Kilgrave. Existe um excesso de conveniências no roteiro que servem para que a série dure mais do que 8 episódios, no qual ela caberia perfeitamente e seria muito melhor.

Em determinado momento tem dois episódios fillers logo no inicio que poderiam ser muito bem explorados, mas não são. Em outro momento tudo poderia ser resolvido, mas aí um personagem secundário faz uma besteira e a série tem um motivo para durar mais alguns episódios, chegando ao ponto em que a vizinha maluca do apartamento acima de Jessica, que apesar de ter uns momentos tocantes na trama, chega a influenciar pessoas com o discurso mais imbecil que eu já ouvi e ela com essas pessoas conseguem  fisicamente atrapalhar uma personagem com superpoderes e nesse ponto é basicamente o roteirista do episódio falando: “desculpe-me, mas eu não consigo mais pensar em desculpas cabíveis para fazer essa série durar 13 episódios, então é isso aí mesmo”.

Os poderes de Jessica são outro problema, nesse caso muito mais da direção da série do que no roteiro. Já que eles nunca conseguem definir a extensão dos poderes dela. O roteiro brinca várias vezes sobre ela poder, não exatamente voar, mas dar um pulo muito alto com uma queda controlada, mas todos parecem confundir isso com voo, então tudo indica que é um pulo impressionante. Em determinado momento personagens testemunham esse “voo” da personagem enquanto a câmera obviamente só foca no rosto deles por questões orçamentárias e eles parecem realmente impressionados com o poder dela. No penúltimo episódio, porém, ela dá um desses pulos em frente a câmera, sem truques de edição e ele parece só um pulo um pouco mais alto que o normal, nada impressionante. Sua força também parece variar de episódio para episódio, já que como eu mencionei, a vizinha maluca e as vítimas de Kilgrave conseguem subjugar ela quando o roteiro acha que devem.

Para ser honesto todas as cenas de ação da série estão muito abaixo do esperado, enquanto Demolidor tem cenas memoráveis como aquela luta em plano sequencia do segundo episódio, todas as lutas de Jessica Jones se resumem a ela ou ao Luke Cage jogando alguém contra uma parede e quebrando a parede e assim demonstrando visualmente que eles são mais fortes do que pessoas comuns. Isso se repete tanto que essa parece ser a única forma que os diretores pensaram em como demonstrar os superpoderes dos personagens numa luta. Mesmo o embate do penúltimo episódio que poderia ser épico na tela com um diretor de ação um pouco melhor, é apenas acima da média da série, o que não é tão difícil.


Mas a ação nunca foi o mais importante de Alias, nas HQs o melhor da personagem era a forma única com que a personagem lidava com o restante do universo Marvel. Na série isso também não é tão bem explorado, na verdade não é explorado de forma alguma. Com exceção de duas menções entre os dentes e quase obrigatórias aos Vingadores e uma menção um pouco mais interessante ao Demolidor, a Jessica Jones não parece viver no mesmo mundo que o restante do universo Marvel estabelecido, o que é uma pena, pois parece cada vez mais que questões contratuais impedem a Marvel de contar uma história completa como só ela poderia contar.

A série só brilha verdadeiramente quando deixa Kilgrave e Jessica interagirem. O fato do vilão e da protagonista finalmente serem assimétricos, coisa que quase nunca acontece na Marvel, permite que o roteiro explore outros tipos de conflitos se não o da porradaria óbvia, o que é bom, porque a série como eu mencionei não faz bem as cenas de ação. O conflito entre Jessica e Kilgrave se passa basicamente com ele testando a moralidade e a empatia dela com o resto do mundo a cada segundo, a ponto dele a controlar sem nem precisar usar seus poderes.

A forma como ele a obriga, em determinado momento, a enviar selfies sorrindo para ele, simplesmente para não afetar os outros é um momento de subjugação tão forte que chega a ser palpável o quanto isso fere o ego de Jessica e por outro lado o quanto ela se sente um pouco mais uma heroína ao estar sacrificando seu orgulho para salvar alguém. Essas nuances a tornam uma personagem bem complexa.

O ápice da série acontece no episódio 9 (ou 8, é sempre difícil saber quando assistimos um atrás do outro na Netflix) quando o conflito contra Kilgrave acaba trazendo quase todos os personagens, dessa vez de forma menos conveniente, a estar de frente a ele. Essa cena mostra o quão vulnerável e ao mesmo tempo psicótico e real o personagem de Tennant é. Ele não é como o Coringa de Nolan que é quase onisciente e planeja (mesmo dizendo que não) todos os seus passos de forma assustadora de tão perfeita. Kilgrave é simplesmente uma pessoa, ele erra, planeja mal suas ações, acaba caindo em truques baratos e se deixa levar pela emoção. Ele é simplesmente uma pessoa com a capacidade de fazer coisas terríveis, e com um poder invejável que potencializa tudo o que ele pode fazer ao máximo, esse poder aliais, que a série até demonstra que seria muito bem utilizado se fosse usado de outra forma, se Kilgrave fosse diferente de quem ele é.

A série obviamente comete o mesmo erro que todas as séries (exceto Demolidor) e filmes da Marvel comete com o seu vilão, o que é uma pena, porque claramente a Jessica Jones e seus coadjuvantes por si só não têm força para levar uma segunda temporada semelhante a primeira sem Kilgrave na equação. Jessica e Luke tem uma boa química em cena, mas o setting da personagem, por mais interessante que seja nos quadrinhos, sem os contratos necessários da Marvel Studios não tem força alguma na TV. E como a primeira temporada fez a heroína ser um subproduto do seu vilão, só posso esperar Jessica Jones nos Defensores atuando como coadjuvante ou com uma nova história que renove e MUITO a personagem, pois se não, só uma temporada deve ter sido tudo o que vimos dela, ao menos com o seu nome no letreiro principal.
NOTA8.5

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