Hannibal – 3° Temporada | Crítica
Por algum motivo a 2° temporada de Hannibal nos escapou e não se tornou uma crítica aqui no site, ainda assim posso resumi-la com uma palavra. INCRÍVEL! Porém, o final dela foi um pouco forte, mais forte do que a narrativa que Bryan Fuller intencionava seguir para o próximo ano e assim essa terceira começou um pouco preocupante, com praticamente todos os personagens sobrevivendo a um massacre impossível. Além disso os três ou quatro primeiros episódios foram bem estranhos, não necessariamente ruins, mas muito subjetivos e beirando o incompreensível, os personagens pareciam quase descaracterizados num mar de abstração, exceto o próprio Hannibal Lecter, interpretado com primor por Mads Mikkelsen e que sempre foi a constante da série.
A ideia de caçar Hannibal pela Itália era boa, o único problema dela é que Will Graham naquele ponto deixou de ser um personagem relacionável em toda a loucura da temporada que começou quase que como uma febre em alguém que ainda estava com seu corpo se recuperando. A medida que o tempo passou, Will foi se tornando o mesmo Will, não o que conhecíamos na primeira temporada, sim o Will da segunda temporada, aquela boa pessoa que consumiu e foi consumido pela mente brilhante e sombria de Lecter e que tem no seu âmago, um gostinho de loucura e trevas reprimidas por sua moral.
Jack Crawford por outro lado passou a ser o nosso guia nas trevas enquanto Will não estava psicologicamente disponível e isso é um paralelo a própria relação entre o personagem e o protagonista, que estava vagando sem rumo moral em uma caçada por Hannibal que ele nem sabe como terminaria, não apenas porque o canibal é imprevisível, mas porque ele mesmo estava indeciso quanto a sua relação com o assassino, e nessa jogada, a única luz, fraca e quase apagada que indicava o caminho de volta, era Jack.
Por outro lado, se toda essa confusão com o Will era um pouco irritante, o outro lado da trama, a relação entre Bedelia e Hannibal na Itália, e a caçada particular de Mason Verger ao lado de Alana Bloom pelo doutor se tornava cada vez mais interessante e isso culminou em dois episódios espetaculares que terminaram muitíssimo bem a primeira fase da série. A propósito, a personagem de Caroline Dhavernas apareceu menos esse ano, mas cresceu infinitamente em comparação ao que ela era antes.
Dolce e Digestivo são dois marcos para a TV, são dois dos episódios mais bonitos já filmados, com destaque especial para a cena final de Dolce, onde Hannibal mais do que sugere, com uma pequena serra elétrica, a ele e Jack consumirem a mente de Will literalmente, como eles já tinham feito figurativamente. Na sequência, quando ambos estão finalmente sob a guarda de Verger, é a vez de mostrar algumas das coisas mais divertidas da série e sobre o personagem, como o fato de Hannibal, com sua perene expressão indecifrável, finalmente rir, quase que numa gargalhada contida quando seu futuro algoz sugere tons de uma relação homossexual entre outro caso de canibais, obviamente em uma analogia a relação dúbia que o próprio Lecter e Will dividem.
Outra coisa interessante nesse episódio, é a forma como é demonstrado que ninguém costuma negar um pacto com o demônio quando realmente precisa dele, já que Hannibal, é basicamente o demônio em forma humana e de certa forma, todos acabam sempre procurando sua ajuda, porque ele, apesar de tudo, é um demônio confiável, se você for importante para ele, ele não te matará sem antes avisar e ele sempre cumpre o que promete, seja para o lado bom ou ruim.
Antes de passar a falar sobre a segunda fase da temporada, vale lembrar que as cenas de Abigail Hobbs (interpretada novamente pela ótima Kacey Rohl) foram muito boas, infelizmente ela é a única personagem que não sobreviveu ao massacre do fim do segundo ano, mas ela é presença constante em alguns episódios, ainda que seja apenas uma hospede ilustre no palácio da memória de Will e Hannibal.
Mas ao fim de Digestivo, como o nome já sugeria, dois anos se passam e uma nova fase começa na série, a fase que adapta livremente o livro Dragão Vermelho de Thomas Harris e com isso até os episódios perdem seus nomes decorrentes, que eram relacionados a nomes de pratos, para virar nomes relacionados a quadros de William Blake.
Num primeiro momento eu imaginei que seis episódios eram pouco para adaptar um livro, especialmente quando comparamos com a dificuldade que Game of Thrones tem de fazer o mesmo com 10 episódios por ano, mas vale lembrar que livros geralmente viram filmes de duas horas, então estávamos com muita vantagem em Hannibal.
O Grande Dragão Vermelho, ou a Fada dos Dentes, seus dois nomes, é interpretado por ninguém menos que Richard Armitage, conhecido também por seu trabalho como Thorin Escudo de Carvalho na trilogia O Hobbit. Embora intelectualmente o Dragão Vermelho não seja uma ameaça tão grande quanto Hannibal, fisicamente ele é uma ameaça maior, ele é forte, ágil, lida muito bem com armas e com brutalidade.
Infelizmente eu quero falar bem pouco sobre essa segunda parte para não estragar algumas surpresas para quem não assistiu, mas vale dizer que nela nós chegamos ao clássico “Hello dr. Lecter” e a relação comum que conhecemos do personagem com o protagonista dos filmes e dos livros, além de também voltar mais ao início da série onde vemos o Will mais uma vez usando seu "super-poder" de empatia para reconstruir uma cena e dizer uma última vez “This is my Design”, enquanto asas vermelhas surgem atrás dele numa cena que como a maioria da série, é impressionante tanto esteticamente quanto linguisticamente.
Essa temporada ainda se permite ser cômica em alguns momentos finais, como quando no penúltimo episódio Hannibal come algo indevido, num corte rápido em uma cena que lembra muito uma criança que coloca uma bala na boca antes que a sua mãe possa tomar dela, ou quando ele diz ao Will que em sua última despedida ele “dropped the mic” e agora ele teve que catar o microfone do chão e pedir por sua ajuda mais uma vez.
Mas independente de tudo isso, não dá para não mencionar a última cena do último episódio como a coisa mais impressionante do ano, não a quase esperada cena pós-créditos que nos faz querer uma quarta temporada que provavelmente não existirá, mas sim a cena de luta entre os três monstros ante a ribanceira.
A ribanceira está erodindo, havia mais terra aqui quando eu estive com Abigail. Em breve, tudo isso estará perdido para o mar.
A batalha final ao som de Siouxsie Sioux e Brian Reitzell é uma das coisas mais lindas já filmadas na TV. Realmente me surpreende que Hannibal não seja tão exaltada quanto Breaking Bad, porque a cena dos dois Cervos consumindo o Dragão com facadas, machadadas e obviamente dentes, enquanto esse cai de joelhos e asas abertas no chão com o sangue enegrecido sob a luz do luar, é simplesmente de tirar o fôlego e de nos fazer repensar como avaliamos a televisão hoje.
Provavelmente jamais veremos uma nova temporada de Hannibal, agora que a NBC cancelou a série e a Netflix e a Amazon se recusaram a dar uma nova casa a ela, somando aí o fato de que Mads Mikkelsen vai estar em Star Wars: Rogue One e possivelmente em Doutor Estranho nos próximos anos, mas não tem como não aceitar um final brilhante como esse como definitivo. Hannibal virou uma obra prima nessa terceira temporada, uma série que faz uma ode a violência e uma brilhante analogia sobre o ato de consumir e ser consumido por outra pessoa, nesse caso, em dezenas de camadas de possíveis interpretações e ela fez isso tudo sendo visualmente sublime e com um texto primoroso, Bryan Fuller literalmente dropped the mic com essa terceira temporada, eu estarei com ele se assim como o Will ele voltar ao microfone, mas se não for o caso, todas as outras séries já foram momentaneamente silenciadas pela grandiosidade e pelo impacto da sua, nenhuma outra fez isso desde que Walter White esteve pela última vez na TV e eu estou aqui esperando qual será a próxima a fazer o mesmo.
NOTA10