The Flash - 1ª Temporada | Crítica

Honestidade.


Parece simples, não é? Não só de se escrever, mas o próprio conceito. Ser honesto, agir de modo honesto, falar de modo honesto. Talvez o seja para alguns, mas para a maioria raramente é. E o problema não está restrito às pessoas e às suas interações sociais, não. Confrontamos o mesmo problema na televisão, no cinema, em qualquer indústria midiática. A história do Velocista Escarlate se beneficia da sua própria honestidade, enquanto as outras séries da mesma editora (e, em alguns casos, do mesmo canal), as suas primas, são tão prejudicadas pela falta dela.


Em Gotham, nós temos uma sequência de guiões estupidamente rasos, imaturos e anêmicos, convincentes apenas para aqueles que nunca foram além da mediocridade padrão da televisão estadunidense. Em Arrow, nós temos um herói-título que três anos após assumir o manto de protetor da sua cidade ainda não assumiu o ‘Verde’ do seu codinome. Que ainda não abandonou tendências datadas, de ser levado a sério, de ser encarado como ‘sombrio e realista’. Que ainda não se aceitou como super-herói.


Mas em The Flash, nós temos uma história sobre um garoto aprendendo a se aceitar e lidar com as suas novas capacidades, enquanto a própria produção se aceita. Isto não a torna excepcional – muito pelo contrário, pois ela ainda sofre (e muito) das limitações do seu canal de transmissão –, porém a torna mais corajosa, mais ousada, mais... honesta.


flash5


Barry Allen (Grant Gustin) é um brilhante perito criminal do Departamento de Polícia de Central City. Ou ao menos costumava ser apenas isto. Após a explosão de um acelerador de partículas, Barry é atingido por um raio, e após acordar de um coma 9 meses depois, ele descobre que algo mudou. Tudo mudou. Barry agora pode correr tão rápido quanto uma bala - ou talvez até mais, muito mais -. Inicialmente, Barry decide usufruir dos seus superpoderes para libertar o seu pai (John Wesley Shipp) da prisão a que foi condenado injustamente após supostamente assassinar a sua própria esposa, mas logo percebe que possui uma missão muito maior: salvar os inocentes da sua idade e encontrar outros superpoderosos não tão bem intencionados. Com a ajuda dos cientistas Cisco Ramon (Carlos Valdes), Caitlin Snow (Danielle Panabaker) e Harrison Wells (Tom Cavanagh) dos Laboratórios S.T.A.R., Barry assume a identidade de um super-herói e inicia a sua jornada.


O formato é o habitual: uma narrativa principal intrigante, porém frágil, sufocada por subtramas infantiloides nascidas da necessidade de cativar a faixa etária a que se dirige. É somente nos seus últimos episódios que a série abandona o procedural e abraça os conflitos e mistérios envolvendo o grande rival do seu protagonista. E os acontecimentos significantes acabam por ser tão empurrados que o seu primeiro ano termina com um cliffhanger – ou seja, sem final concreto –, prejudicando bastante o produto-final.


De todos os gêneros em que The Flash investe (drama adolescente, romance, comédia, etc.), o mais instigante entre eles é a ficção científica. Em primeira instância, os conceitos físicos da série são reconfortantes, pois encontram o seu lugar na mitologia do personagem, mas a pouca credibilidade destes conceitos pode afetar a suspensão de descrença dos mais atenciosos. Para uma série que faz referências pop o tempo todo, The Flash não parece ter absorvido muito destes mesmos materiais, especialmente dos que abordam como temática a viagem no tempo. A imagem inicial é de que a série é burra, incapaz de trabalhar com temas tão complexos ou de que acredita que a sua audiência o é, pelo que simplifica concepções que não deveriam ser simples de todo. Barry, por exemplo, Barry não precisa de alcançar a velocidade da luz para viajar no espaço-tempo, mach 2 já é mais do que o bastante (o que é absurdamente ridículo, seja no nosso mundo ou num fictício). E essa neblina de imaturidade temática, infelizmente, não fica pela pseudo-ciência que paira sobre os Laboratórios S.T.A.R – e muito menos é o único tipo de imaturidade narrativa –.


flash2


Todo o argumento é bastante bobo, constantemente sublinhando o óbvio, solucionando acontecimentos com conveniências, falhando em construir um sentido palpável de tensão e a lista só continua. O personagem de Cisco, por exemplo, está na história não apenas para ser o alívio cômico e a âncora entre espectador-televisão, mas também para explicar à exaustão tudo o que a série já mostrou, como quando, no último capítulo, ele explica porque Eddie atirou no próprio peito e o que acontecerá com o Flash Reverso. E ele não é o único, os espantalhos de exposição em Central City estão por todo lado.


E o pior: os momentos de clímax são amargurados pela escrita, que consegue ser pífia quando mais deveria ser completa. O clímax fica só no papel, porque não existe noção real de drama. Ambas as viagens de Barry no tempo se enquadram neste aspecto teórico do roteiro. O ápice da temporada é produzido com menos esmero do que as cenas de romance.


Visualmente, a produção consegue ser agradável. As sequências de ação (ou corrida, para melhor dizer) são todas filmadas da mesma forma, com os clássicos closes no rosto do velocista para tranquilizar o espectador num momento de frenesi e os takes de cobertura de atletismo, traduzindo o superpoder de Barry numa linguagem tradicional. Os efeitos de computação gráfica são deploráveis, constantemente transformando o herói num boneco de massa de modelar sem qualquer configuração anatômica real. E no figurino, a não ser pelo protagonista, pelo seu rival e por algumas outras exceções, todos os meta-humanos se vestem de forma caricata, sendo fiel demais ao material original de um modo ruim, porém que ainda faz admirar pela ousadia - e até ele tem buracos, porque ora a máscara de Barry é um capuz, ora é um capacete -.


flashinn


As interpretações são sistemáticas, gargalhadas teatrais e sorrisos de orelha a orelha (com os dentes sempre revelados) para expressar felicidade e choros melodramáticos para expressar tristeza. Os maiores méritos ficam para Tom Cavanagh, Grant Gustin e Jesse L. Martin, os mais simpáticos do elenco. Porém, para todo bom e genuíno momento de Gustin - cujo Barry Allen, por alguma razão, foi convertido num nerd spaz inseguro e hiperativo -, um personagem secundário surge para arrastar qualquer mérito, como o Capitão Frio e o Onda de Calor, que escaparam da imaginação de Joe Schumacher e fuzilam o script com trocadilhos infames – além de estarem muito mais cartunísticos do que o próprio Grodd –.


Mais uma vez utilizando como exemplo o último episódio, The Flash possui um pace extremamente inconstante e problemático. Apressado demais para saciar a necessidade de instantaneidade dos iniciantes da televisão, ritmos mastigados, rápidos, eventos sendo desconstruídos ao fim de 40 minutos com respostas já nos 20 primeiros. E uma vez mais, Cisco está intimamente ligado a este problema: se numa manhã ele descobre que tem de criar uma máquina do tempo, no final do dia ela já está construída e com um design altamente sofisticado – o mesmo aconteceu quando ele teve de criar o equipamento sônico para Laurel –. Para não tocar nos 5 minutos que Barry passa no passado, quando só poderia ter ficado por lá por 2.


bf7a3e6e3ed48aea6446803b69462c75a738e4c4


No seu primeiro ano, The Flash se beneficia e se ofende a partir de um mesmo ponto de partida: a sua coragem. Enquanto a sua coragem de se pronunciar como uma série de super-herói é admirável - não deveria ser, mas acaba sendo quando três anos depois o seu primo distante ainda não adotou o 'Verde no seu nome -, a ausência dela é sentida, quando a própria sente não se esforça para se libertar das limitações e do formato do canal – como Buffy, a a Caça-Vampiros, também uma fantasia adolescente fez –.


Porém, algo é tão certo quanto a velocidade do Velocista Escarlate: The Flash é divertidíssima. Só resta a pergunta: a diversão sozinha ainda faz televisão de qualidade?

Patreon de O Vértice