Sons of Anarchy – 7ª Temporada | Crítica

Sons of Anarchy


Uma longa viagem que nos mostrou diversas vezes que a estrada não perdoa nada ou ninguém. Sete anos de tiros, motocicletas, traições, mortes, sexo e violência. E, pela última vez, Kurt Sutter pediu que sentássemos no sofá e assistíssemos o trágico fim da jornada de Jackson Teller. Mas será que compensou dedicarmos tanto tempo a acompanhar a história de um clube de motoqueiros criminosos? É o que tentaremos descobrir com esta crítica.


Se escaparmos para a margem mais emocional da fronteira de sentimentos que divide um admirador de Sons of Anarchy, o final que vimos foi digno das sete temporadas da série. Talvez a conclusão que nos espera na outra margem não seja tão diferente, mas é, sem sombra de dúvidas, mais crua. A verdade é que sim, o que encontramos foi o que precisávamos, mas não o que merecemos.


Desta vez, Sutter abusou dos artifícios narrativos característicos das obras shakespearianas e transformou o conto de Jax e seus companheiros numa tragédia dolorosa, sombria e quebradiça. Para quem esperava uma resolução feliz e esperançosa, há apenas duas opções: foi ignorante ou mentiu para si próprio. A moldura melancólica de Hamlet estava no mundo do MC há tanto tempo quanto a morte, a violência e a Harley-Davidson.


Sons of Anarchy


O enorme contraste na concepção das personagens é onde Sutter mais peca. 


A storyline que se desenvolveu ao longo deste último ano é, com algumas inconsistências entre um episódio e outro, congruente com o restante material do show. Na trama, Jack tem de enfrentar a morte de sua esposa e a sua única forma de lidar com o luto é a vingança, portanto passa a banhar-se de sangue enquanto procura pelo assassino de Tara. O roteiro denuncia as mãos pesadas de um escritor que conhece a realidade sobre que escreve, mas falha em construir uma ponte de significância com acontecimentos importantes para a mitologia da série, como a morte de Tara e Opie.


Desde o seu piloto, Sons of Anarchy apresentou a dificuldade de balancear o sentimentalismo necessário para cativar o espectador e a frieza obrigatória de um drama criminal. Por consequente disto, até hoje a morte de Opie parece desnecessária e as suas sequelas são transparentes. É como se Sutter tivesse assistido a The Wire e Six Feet Under e tivesse a iniciativa de jogar as duas obras-primas num liquidificador e nos oferecesse o que teve como resultado da mistura, sem dar os retoques finais no prato.


As atuações foram competentes. Limitadas, porém funcionais. Nunca antes observamos nesta série intérpretes como os que pisam no tapete vermelho de Cannes e a primeira vez não seria na última temporada. Charlie Hunnam reserva-se aos trejeitos ásperos e amargurados de um viking moderno, mas simpatiza e cativa, Katey Sagal rasteja num conflito interno entre o demonstrar e esconder das emoções da sua personagem e Jimmy Smits entrega a performance comovente que é, de longe, a mais satisfatória de todo o elenco.


O que mais me incita a curiosidade é o mecanismo narrativo que Sutter absorve da interpretação pequena de Hunnam. Transformar Jax, que se encaixa no clássico arquétipo shakespeariano do herói torturado, numa personagem tão complexa e rica, só foi possível graças ao ator britânico. A evolução (ou seria desevolução?) do presidente do MC é tão gritante que os deslizes na atuação de Hunnam, como as mudanças no sotaque e expressões faciais, passam quase que despercebidos.


Sons of Anarchy


A beleza está no quão distante este momento parece estar.


Quanto às músicas que estrelaram o último ano, Sons of Anarchy sempre foi um interessantíssimo estudo musical. Contamos com uma playlist eclética que pende mais para o folk-rock, é claro, mas que não erra na representação de outros gêneros. Vale mencionar as excelentes composições originais do The White Buffalo que estão conosco há tanto tempo que já se tornaram personagens. É uma graciosa música que salva a cena final da série, pois sem ela, a nossa última lembrança seria a dos péssimos efeitos visuais.


Um grave problema que perseguiu Sutter até o último episódio que escreveu está na caligrafia simbólica que tenta construir. As nuances narrativas que deveriam dançar em perfeita sintonia com as decisões da direção de fotografia como acontece em Breaking Bad são desleixadas e subestimam a inteligência do telespectador. Isto aconteceu no caso em que Sutter tentou desenhar um paralelo entre Jax e Tara e John e Gemma através de uma antiga fotografia e não foi capaz de fazê-lo de forma sutil como Vince Gilligan fez entre os rostos caídos de Heisenberg, Gus Fring e da estátua Ozymandias. No series finale, este problema incorpora-se no apelo exacerbado ao foreshadowing através dos corvos e outros elementos visuais carregados dum pobre simbolismo. No fundo, esta deficiência autoral de Sutter reside no fracasso em trabalhar com ferramentas mais apropriadas para alguém como David Chase.


Por outro lado, o showrunner soube trabalhar muito bem dentro do seu campo de especialização: o retrato niilista da brutalidade. O desfecho que construiu contou com as surpreendentes mortes de personagens queridas, cenas de absurda violência e sub-plots brilhantes dentro da conjuntura político-social das organizações criminosas de Charming.


E como já mencionado, os seus pontos fracos também permanecem intactos, como a ausência de desenvolvimento em personagens secundárias como o Ratboy, que esteve mais tempo na série do que o Half-Sack e foi menos trabalhado. Mas tudo é esquecível face ao mais brilhante ponto de toda a série: através de Jax Teller, nós viemos a conhecer John Teller. Ao longo de sete anos, Sutter transformou o filho no pai e nos apresentou um personagem que estava morto antes da série começar. E isso é algo único.


Sons of Anarchy


Uma poderosa recordação do que destruiu por completo Jackson Teller.


No que respeita à questão introdutória desta crítica, não, o tempo que dedicamos ao show não foi perdido. Sons of Anarchy é (foi) uma excepcional sequência de histórias que, ainda que tenham uma pluralidade de escorregadelas no seu registro, foram muito bem escritas. Mais do que um exemplo glorioso de escrita televisiva, Sutter nos deu uma parte do seu coração.

Sons of Anarchy


Sons of Anarchy trata-se disto, embora ambicione ser tão maior do que consegue. É uma história escrita com o coração e que depende dele para funcionar, pois sem ele, é impossível se apaixonar pelos violentos criminosos de Charming.

E eu, pessoalmente, me apaixonei.
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