As Crônicas de Gelo e Fogo x O Senhor dos Anéis

Todos os anos, o mercado literário tenta forçadamente popularizar autores, novas obras, títulos polêmicos e de qualidade duvidosa. As prateleiras das livrarias ficam cheias de lançamentos com capas que parecem sempre seguir o padrão do ano, como se fossem uma coleção de moda, desvalorizando ao máximo a expressão “não julgue um livro pela capa” e dando um banho de arte nos pobres e — não tão mais – desinformados leitores.

Entretanto, sempre que vejo um livro ou saga de fantasia, as comparações que estas próprias obras fazem, quando citam autores ou críticos de jornais, é sempre utilizando uma frase do tipo: “a melhor história desde que Bilbo encontrou o anel” ou “tão grandioso quanto O Senhor dos Anéis” ou até mesmo “comparável apenas ao universo criado por Tolkien”. Ou seja, a pedra fundamental da literatura de fantasia e lugar quase comum para inspiração de histórias, lugares, tramas e raças invariavelmente foi a Terra-Média criada pelo pioneiro J.R.R. Tolkien na primeira metade do século XX. Como eu disse, “foi”. Após quase um século, podemos dizer, sem medo, que em um mercado cada vez mais amplo, com várias referências menores e autores de todas as nacionalidades, idades e culturas, O Senhor dos Anéis encontrou uma obra à sua altura.

As Crônicas de Gelo e Fogo

No início dos anos 90, o até então desconhecido do grande público George R.R. Martin — sim, parece até brincadeira mas ele realmente tem um nome parecido com o autor da famosa saga do Um Anel — começou a escrever o que é, até então, a saga mais grandiosa de literatura fantástica dos últimos 50 anos. Embora já tenha escrito contos de ficção científica que chegaram a ganhar importantes prêmios na década de 70, Martin ganhou sua vida escrevendo roteiros e adaptações para a televisão.

Escrevendo e aperfeiçoando sua escrita ao longo dos primeiros anos da década de 90, Martin lançou o primeiro livro da saga As Crônicas de Gelo e Fogo, chamado A Guerra dos Tronos, em 1996, sem nenhum alarde do mercado publicitário. Conforme os meses foram passando, a obra foi ganhando críticas positivas dos mais variados veículos de publicação, até cair nas graças do público e ser indicado a 5 importantes prêmios do mercado literário, faturando 3 deles. O sucesso no mercado de língua inglesa só foi expandido globalmente quando a HBO anunciou a adaptação da obra para uma série de TV, que herdou o nome do primeiro livro em inglês — Game of Thrones — e fez com a história ficasse conhecida em todo mundo. No Brasil, a primeira edição da obra chegou apenas em 2010, quando os 4 primeiros livros da saga planejada para ter 7 no total, já haviam sido lançados. Antes tarde do que nunca!

sdaPor que a comparação com O Senhor dos Anéis?

Uma saga de livros de fantasia. Elementos de magia. Dragões e outros seres. Guerras e batalhas épicas. Como não pensar em O Senhor dos Anéis na hora? Foi exatamente o que fiz quando conheci a obra de Martin. Confesso que demorei um pouco a encarar As Crônicas de Gelo e Fogo. Um pouco pelo tamanho das obras (somados os 5 livros já lançados em português, são 3648 páginas!), um pouco pelo fato de a saga ainda não estar terminada, e um pouco por achar que era uma ousadia criar uma saga tão grandiosa quanto Tolkien criou. Bem, como foi bom ter pensado errado!

As Crônicas de Gelo e Fogo é uma saga feita exatamente para leitores que, como eu, se apaixonaram na infância ou adolescência pela história de Frodo, Aragorn, Gandalf e companhia, e se sentia órfão, sem uma obra mais adulta mas que também fosse de fantasia. É aí que Martin acerta em cheio, ao utilizar a fantasia, magia e seres mágicos como algo reduzido a lampejos e pequenas aparições, enquanto política, traições, armações e batalhas bem reais e mundanas são travadas em Westeros, o principal continente do mundo criado pelo autor.

Outro grande trunfo de Martin para desenvolver a história foi contá-la sob a ótica de várias personagens a cada novo capítulo, ampliando a percepção e ambientação das histórias, além de criar figuras inesquecíveis, como o vilão/herói /amado/odiado Tyrion Lannister e o quase herói Eddard Stark. Por ser exatamente uma obra com cunho mais adulto, não há um arqui-inimigo, vilão-mor ou uma batalha do bem contra o mal claramente definida. Como em toda guerra, há lados, às vezes mais de dois. Com o passar dos capítulos, a história se tornou tão ampla, porém bem amarrada, que já foram apresentados mais de 1000 personagens, entre nomes do passado, reis antigos e citações a heróis.

Martin foi capaz de criar uma história densa, usando um mundo fantástico como plano de fundo para problemas e situações que existiram e existem no mundo real. Isso aproximou a história dos leitores, deixando que cada um de nós, por afinidade, escolhesse para quem “torcer”, e lamentar cada morte ou perda nos livros.

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E aí, qual é a melhor saga de fantasia da literatura mundial?

Comparar é da natureza humana. Todos temos nossos “TOP 10" de filmes, bandas, discos e claro, livros. Porém, neste caso, é impossível não ficar em cima do muro. Comparar obras de momentos bem distintos é e sempre será complicado. Tolkien escreveu uma saga completa em pouco mais de 1000 páginas. Martin já passou das 3500. Um utiliza seres mágicos em toda a trama, enquanto o outro flerta com a magia e conta uma história “pé no chão”. Um criou um idioma inteiro e um mundo “em volta” para justifica-lo. O outro, criou famílias e relações tão complexas que nem ele mesmo consegue se lembrar de tudo e precisa de ajuda de editores e fãs.

Como fã das duas obras, que considero sem sombra de dúvidas os melhores livros de ficção fantástica de todos os tempos, — que me perdoem os fãs das outras sagas — torço apenas para que Martin continue o ritmo para terminar sua história com a grandeza que ela merece, sem utilizar artifícios ou reviravoltas desnecessárias. Se você gosta de Game of Thrones, a série, mas ainda não leu o livro, saiba que o que viu na TV é apenas a ponta do iceberg. Se você gosta de As Crônicas de Gelo e Fogo mas nunca leu O Senhor dos Anéis, aproveite que o sexto livro ainda não foi anunciado e trate de conhecer a saga escrita por Tolkien — e não apenas os fenomenais filmes de Peter Jackson. Se assim como eu, você já leu e viu tudo, torça apenas para que Martin tenha uma vida longa!
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