House of Cards - 1° Temporada | Crítica
David Fincher é meu diretor preferido, Kevin Spacey não chega a estar no meu Top 10, ou pelo menos não estava antes dessa obra prima que a Netflix nos proporcionou. House of Cards é tão bom quanto Homeland e para eu elogiar algo ao nível de Homeland, série que eu realmente amo, significa que aqui está algo que eleva o jogo a outro nível.
Assim como todas as séries, House of Cards tem sua fraqueza, ou melhor, teve, o oitavo episodio da série é especialmente patético, mas falaremos dele mais tarde, o que conta agora é que apesar de suas fraquezas, ou dessa fraqueza única e especifica o seriado pode ainda ser considerado perfeito, ao menos eu assim o considero.
De cara mostrando ao que veio David Fincher quebra a 4° parede fazendo com que Frank Underwood fale direto conosco, nós o publico, ou “nós o povo” como diria na constituição americana. Caso contrário seria difícil absorvermos a história em sua plenitude, já que Underwood tem ideias mirabolantes a cada 10 minutos e geralmente tudo é muito sigiloso em seu ramo, então não há com quem falar exceto conosco. O que significa que nada de diálogos expositivos mal construídos nos chamando de burro quanto plateia a cada 5 minutos, como alguns filmes recentes insistem em fazer.
Isso gera estranheza no principio, no trailer da série quando Underwood fala “Bem-vindo a Washington”, voltado para a câmera, já é algo bizarro de se conceber, no inicio então quando ele mata um cachorro agonizante e nos explica sobre a utilidade da dor ficamos com um único pensamento. Essa não vai ser uma série comum.
O fato de Underwood falar direto conosco, do jeito mais Shakespeariano possível, nos faz sermos cumplices dele, um dos poucos problemas do texto é que em determinado momento Underwood vai longe demais para podermos acompanha-lo, moralmente falando pelo menos, nesse caso talvez, não seja um problema do texto e sim uma genialidade dele, se considerarmos como é um teste, para ver até onde o personagem é carismático e até que ponto podemos segui-lo agora que estamos tão envolvidos no seu esquema como se tivéssemos de fato participado dele.
Já que é um teste, você que já assistiu à primeira temporada inteira, comente, depois da resolução do caso de Peter Russo, você ainda simpatiza com Francis Underwood, ou passou a abomina-lo?
Uma cena em especial, localizada no último episódio mostra bem esse tipo de questionamento sobre a nossa simpatia quanto à moralidade, ou melhor, a falta dela, de Underwood. Ele olhando para o alto enquanto conversa conosco, se questiona se esta falando com a audiência certa, então olha para baixo e continua falando. O roteiro de Beau Willimon é inteligente o suficiente para estabelecer a duvida sobre nós mesmos e ainda limpar qualquer duvida sobre a religião de Underwood, ele reza para si mesmo, quando precisa de algo. É assim que ele diz.
O texto de Willimon é realmente brilhante, ele é extremamente complexo, mas ao mesmo tempo cristalinamente claro. Muitas vezes entendemos poucos as jogadas de thrillers políticos americanos, mas não da para deixar de entender cada detalhe em cena de House of Cards. Cada jogada na complexa teia de Underwood.
Os diálogos são uma coisa a parte, eles são quase saborosos, especialmente quando vemos os jogos de palavras que Underwood faz para dizer o que não quer dizer diretamente. “Estamos no mesmo barco, assegure-se de não vira-lo, porque só posso salvar um de nós”. Sem contar que os diálogos são capazes de marcar sua memoria pela distinção do caminho natural de se deixar logico algo “Eu amo essa mulher, mais do que tubarões amam sangue”. Willimon deixa bem obvio no texto a importância das palavras, quando a personagem de Kate Mara, a jornalista Zoe Barnes, desdenha da forma como Underwood quer chamar a relação deles ela ganha a resposta máxima que de certa forma define uma das muitas nuances da série.
[quote style="1"]Palavras são importantes, você deveria se preocupar muito com as palavras, especialmente na sua profissão.[/quote]
Por falar em personagens, não há como não dizer que Francis Underwood não é um dos melhores personagens da história da televisão, mas falar dele é se repetir em elogios, portanto é melhor focar o texto nos personagens secundários um pouco. Primeiro vale mencionar que todos esses personagens se contradizem o tempo todo, num primeiro olhar isso parece uma falha de roteiro, afinal um personagem não está seguindo a base na qual foi construído, mas se pensarmos na realidade temos fraquezas pelo fácil e incorreto, ou às vezes nossa consciência pede para voltarmos ao lado da verdade e da moral, ainda que pareça insensato. Francis é o único que não se contradiz (exceto em um pequenino pedaço da série) e isso nos mostra o porquê de sua eficiência e o porquê também que podemos chama-lo de fanático.
Zoe Barnes é a segunda protagonista de House of Cards, a jornalista que começa a série trabalhando em sessões menores no The Washington Herald e que acaba arrumando um modo de fazer um “Pacto com o Demônio” ou um Pacto com Underwood para subir na carreira, esse pacto faz com que ela entre em uma “área moralmente cinza”, fabricando noticias, ou ângulos melhores de uma determinada notícia. Em troca ela ganha furos de reportagens que elevam sua fama e que fazem os ângulos abordados por elas nas novas noticias de Underwood ainda mais relevantes. Apesar de lucrar com isso, ela está totalmente a mercê de Underwood por uma boa parte da série, já que com sua fama meteórica ela ganha mais espaço e mais relevância justamente para agir em nome dos planos de Underwood. É uma parceria que por um lado um perde e outro ganha e do outro lado os dois ganham.
Contudo Francis e Zoe se equivalem na antiética, ainda que não em inteligência, mas ainda assim dar fama a alguém que você controla à redia curta é perigoso, e Frank aprenderá isso mais cedo ou mais tarde.
House of Cards aborda Politica e Jornalismo quase em partes iguais, duas coisas que eu amo, por isso eu acredito ter gostado um pouco mais da série do que é normal. Considero o Jornalismo a maior profissão do mundo, que pode engolir qualquer outra, especialmente a politica. Portanto é legal ver que apesar de Frank não ter naturalmente um rival a sua altura, ele pode ter criado um por alimenta-lo demais.
Alias, Zoe Barnes sempre usava o termo “Feed Me” quando pedia novas notícias a Frank, Feed é um termo comum quanto ao “recebimento de noticias” (aproveitando assine o Feed do Eden Pop), mas sabendo bem sobre o cuidado com as escolhas de palavras que o roteiro de Willimon tem, percebemos que esse Feed é realmente de alimentar. Alimentar um monstro na verdade.
Zoe representa o Quarto Poder e sua fragilidade perante a manipulação politica, mas também representa a força que esse Quarto Poder tem, quando é usado da forma correta.
Outra personagem com varias nuances é Claire Underwood, esposa de Francis que vive sua vida de casada em paralelo a um amor antigo e mais livre, assim como tem uma empresa que visa o bem mundial, mas que flerta o tempo todo com a corrupção e a manipulação politica para atingir esses objetivos.
Vale ressaltar que Claire sim usa os piores meios para os melhores fins, Francis, por mais que tente passar essa imagem, usa os meios imorais para fins pessoais de vingança e autopromoção.
Mas apesar de o protagonista ser Francis Underwood seguidos por Zoe e Claire, que são as secundarias de luxo, o principal plot gira em torno de Peter Russo, um deputado que vive uma vida desregrada de bebidas e prostitutas que cai nas mãos de Underwood e por isso é usado constantemente de um jeito ou de outro, para fins que muitas vezes vão contra suas crenças politicas. Underwood o pressiona a tal ponto que faz o personagem quebrar psicologicamente, já que eu mencionei Homeland no inicio, o estado mental de Peter Russo um pouco antes da resolução de seu plot lembra um pouco o estado mental de Nicholas Brody durante a segunda temporada de Homeland, ainda que Peter não seja tão aprofundado, e seu interprete não tenha o mesmo talento de Damian Lewis a ideia é semelhante.
Agora deixando um pouco de falar no que há de textual, vale dizer que a Netflix gastou mais de 100 milhões em duas temporadas da série, se for parar pra pensar, Game of Thrones gastou menos que isso nas suas duas primeiras temporadas.
Cada centavo desse orçamento monstruoso está em tela, seja nos atores de luxo como Kevin Spacey, ou até na Kate Mara que não é tão de luxo assim, mas me faz pensar que David Fincher gostou mesmo da família Mara, já que escalou sua irmã mais famosa, Rooney, para dois filmes seguidos e agora escala Kate para a sua série.
Esse dinheiro também vai para os grandes diretores escalados para o projeto como Joel Schumacher além do próprio David Fincher, Joel nem de longe é um diretor que eu consideraria bom, mas é um diretor importante e conseguiu seguir bem a cartilha que David Fincher marcou nos dois primeiros episódios, assim como todos os outros diretores. Tecnicamente, Fincher criou um estilo visual invejável que muitas séries gostariam de conseguir, desde a paleta de cores até a forma como as câmeras são posicionadas, tudo está em sincronia com a trama.
Assim como QUASE tudo que Fincher faz, a série em si é impecável.
Talvez seja quase impecável, algumas vezes da para sentir um excesso nela, como se 13 episódios fossem desnecessários, quando poderíamos ter a nata daquilo em 10 episódios talvez. O oitavo episódio em especial é terrível, vemos Peter Russo viajando em busca de votos enquanto Francis vai receber uma homenagem de sua antiga faculdade e encontra velhos amigos e descobrimos que ele é bissexual e que teve um caso com um antigo colega de faculdade. O fato de Francis ser bissexual claramente não é um problema, mas é a ternura com que ele trata o caso que quebra toda a persona construída de Francis. Obviamente esse segredo do personagem foi apresentado para ser um vulnerabilidade a ser explorada no futuro da série, mas ela foi feita de um modo tão OVER que destoa de todo o resto, o episodio em si não movimenta a trama de forma alguma é como um Filler de um anime japonês, uma história sem qualquer ligação com a história principal, mas que está lá assim mesmo. Nesse caso ela está lá apenas para jogar um bloco no quebra cabeças que pode ou não ser usado no futuro.
Toda a série é um estudo de personagem /politica/ jornalismo. O panorama do personagem foi razoavelmente arranhado com esse episodio, mas é um escorregão tão pequeno e que talvez (e só talvez) no futuro possa gerar uma trama interessante que é um erro perdoável.
Antes de terminar vale mencionar que Willimon estudou na Escola George R.R. Martin de produção de Cliffhanger, dois terços dos episódios terminam tão no ápice, que é quase impossível não querer ver mais e mais episódios. Nesse ponto foi esperto e ao mesmo tempo não tão esperto da Netflix lançar todos os 13 episódios de uma só vez. Considerando que ela dá um mês de graça para o novo usuário experimentar, qualquer usuário pode usar esse mês e assistir e série inteira em uma semana e cancelar a assinatura logo depois, quando que se os episódios fossem liberados da forma mais tradicional, semanalmente, não haveria como não estarmos presos a trama e com certeza ficaríamos com a assinatura mais tempo. É uma jogada comercialmente ruim lançar todos os episódios de uma só vez, mas é uma jogada honesta e a confiança no material de qualidade que produziu foi maior que a ganancia, parabéns para a Netflix nisso. De certo modo isso é eficaz, eu não abandonaria mais a Netflix sabendo que esse é o nível de material que ela produz… vale dizer então nesse caso que tem uma série do Eli Roth e do José Padilha para sair exclusivamente por lá e você aí cancelou mesmo sua assinatura depois de assistir House of Cards?
A Netflix destruiu paradigmas e elevou o jogo para onde apenas a HBO e talvez o Showtime consigam alcançar. Nesse caso a Netflix e a velha TV podem ser um paralelo com o The Washington Herald e o Slugline e o resultado final não foi nada mal para uma “nova mídia que está se metendo no meio das grandes”.
House of Cards é uma obra prima da “TV” e da parceria David Fincher/Beau Willimon.