O Hobbit: Uma Jornada Inesperada | Crítica

(essa crítica contém pequenos spoilers sobre o filme)


Tenho a política de não ler críticas de filmes antes de fazer a minha própria, mas tive que abrir uma exceção para as críticas de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, estava ansioso pelo filme desde 2003. Ele é uma adaptação do meu livro preferido de Tolkien e é a sequencia (prequencia na verdade) natural da minha trilogia favorita nos cinemas. Fiquei, portanto, preocupado quando li todos dizendo que o filme era bom, mas nem tanto…


Não queria aceitar que O Hobbit fosse nada menos de perfeito. E não preciso aceitar isso, pois O Hobbit não é nada menos que perfeito.


O filme começa imediatamente antes do inicio de O Senhor dos Anéis, minutos antes de Frodo encontrar com Gandalf para começar todo aquele lance de um mago não se atrasa e tudo mais. Enquanto Frodo se afasta Bilbo parece rememorar sobre suas aventuras e sobre antes dela.


Erebor e um motivo para lutar


O reino dos anões é a coisa mais impressionante em termos visuais de O Hobbit. Thrór, o avô de Thorin é mostrado como um rei justo, mas que fica obcecado com sua própria riqueza e com a pedra Arken, que atrai a atenção de Smaug, um dragão que toma o lugar e destrói os anões e a estrutura deles, fazendo os sobreviventes da raça tornarem-se seres errantes pela Terra Media.


Em termos visuais podemos ver muito de Guillermo Del Toro no filme, mas a arquitetura se mantém a mesma de O Senhor dos Anéis, com o mesmo Look and Feel reto e anguloso para as construções anãs, porém elevadas ao extremo em Erebor.


Erebor é claro deveria ser realmente tudo isso, estamos falando do lugar que serve como objetivo final de toda a trama e é também o Lar dos anões. O Conceito de lar é muito bem aplicado nesse filme, com Jackson sempre dando essa como a justificativa de fazer, ou não fazer algo.


Mesmo o Lar dos Elfos, o Lar dos Goblins são sempre mencionados ou mostrados como algo a se defender, mesmo Moria (sim, Moria do Balrog), um antigo lar de anões tomado por Orcs é sempre mencionado com ternura.


Conselho Branco, Dol Guldur e as novidades


As razões de Peter Jackson em transformar um livro pequeno em 3 filmes não são totalmente claras ainda, sabe-se que a ideia veio de Jackson e não da Warner, ou seja, dificilmente é SÓ por dinheiro, e veja que eu disse que não é só por dinheiro e não disse que não é por dinheiro.


Mas ainda que não tenha ficado totalmente claro, as cenas com Radagast, o Castanho, com o Conselho Branco e as tomadas em Dol Guldur, que revelam a presença de um vilão de O Senhor dos Anéis (ou de 2 vilões) são mais do que sinais de que devemos sim acreditar que Jackson tem um motivo, um grande motivo para prolongar isso por mais filmes.


O Hobbit – Uma Jornada Inesperada


Além dos pedaços de trama dispostos aqui, Jackson ainda conseguiu a maestria de consertar vários defeitos da trama de Tolkien e mencionar coisas que só saberíamos em O Silmarillion. Quando Tolkien escreveu suas obras, em especial em O Hobbit, ficou claro que ele não sabia bem onde ele queria chegar. Muita coisa adaptada de O Hobbit para O Senhor dos Anéis funciona maravilhosamente bem… em O Senhor dos Anéis, já que em O Hobbit as coisas não podiam ser reescritas.


Tolkien nunca foi um excelente escritor, embora algumas pessoas sejam teimosas ou cegas o suficiente para brigar por isso. Acontece que ele criou uma trama que por si só é linda, um mundo lindo e tudo mais só que cheio de defeitos e de coisas que não fazem sentido dentro de seu próprio universo fictício, porém Peter Jackson consertou o que deu para ser consertado e deixou lá o que tinha que ser deixado, por exemplo, Bilbo ainda é “o ladrão” do grupo simplesmente pelo capricho de Gandalf, não há nada por traz disso.


Por outro lado um Istari como Gandalf, o Cinzento fazer parte de uma jornada aparentemente tola e “egoísta” também não fazia sentido, mas e se a preocupação de Gandalf não for com os Anões em seu principio, mas sim com o próprio Smaug e o que ele pode fazer sob a influencia de Sauron se um dia ele despertasse novamente?


O Hobbit – Uma Jornada Inesperada


Outra adição interessantíssima foi dar um inimigo a ser vencido pelos anões, em especial por Thorin, Escudo de Carvalho. Azog, o Orc pálido virou o inimigo a ser odiado, pelo menos até a real aparição do Necromante. O Hobbit como um livro sempre careceu de algo como Azog, um vilão a ser enfrentado, Smaug não é realmente enfrentado por nenhum deles e por mais que Thorin não tenha ganhado um par romântico, coisa pela qual sou grato, ele ao menos ganhou um vilão a altura.


Os problemas


Embora eu tenha dito que O Hobbit é nada menos que perfeito, eu tenho que admitir que duas coisas me incomodaram levemente. A primeira é o uso bizarro de certas CGIs, que muitas vezes são mal feitas, como a CGI usada na última cena, vocês vão perceber do que eu estou falando assim que assistirem.


A segunda coisa foi uma opção narrativa de Peter Jackson, que não faz sentido algum. Os mais puristas (ou extremistas) vão odiar o filme por isso, tenho certeza, mas para mim foi apenas um incomodo proveniente de um obvio descuido de Peter Jackson. A opção em questão provém do fato de a história se iniciar exatamente no mesmo momento de O Senhor dos Anéis, claramente Jackson queria fazer a ponte entre as duas trilogias, mas o que é usado para justificar isso é contar a trama do filme através do ponto de vista de Bilbo, como se ele contasse para Frodo, entretanto varias cenas são vistas através de olhos alheios aos de Bilbo ou de pessoas que poderiam contar a Bilbo depois.


Se a história é visualizada através de Bilbo contando sua aventura a Frodo, como temos um dialogo de Azog com outros Orcs? Quando foi que Bilbo soube desse dialogo? E os detalhes sobre a passagem que mostra Radagast, O Castanho, ou mesmo a secreta reunião do Conselho Branco incluindo conversas mentais entre Gandalf e Galadriel? Como Bilbo poderia ter narrado qualquer um desses eventos?


Nada disso faz muito sentido, era mais fácil ter feito a conexão com O Senhor dos Anéis de outra forma sem usar a história como se fosse um conto de Bilbo. Ok, talvez não fosse fácil, mas não era impossível com certeza.


Os triunfos


A Trilha sonora de O Hobbit é uma obra prima à parte, trazendo canções entoadas pelos anões que funcionam de forma épica tanto no texto quanto no subtexto. Reparem que “Misty Mountains” cantada no trailer é extremamente marcante e de certa forma ela fala sobre a jornada. Após reparar isso repare que cada musica do filme tem uma composição semelhante, como se sempre a jornada estivesse na cabeça de cada um dos membros da comitiva.


Outra coisa incrível de perceber sobre a trilha sonora, é que quando surge em cena o Famigerado Um Anel, a música Riddles in the Dark clama o tema do anel de O Senhor dos anéis. Um pequeno resquício sonoro da trilogia original, lindo toque para os fãs mais detalhistas.


O Hobbit – Uma Jornada Inesperada


A presença de Guillermo Del Toro fica clara certas horas e a falta dele como pessoa mais presente no filme também. O Visual do rei Goblin (que me deixou com a obcecada ideia de que ele era interpretado por Anthony Hopkins, enquanto na verdade ele é Barry Humphries) é típico de Del Toro, como reis tem barba, o Rei Goblin tem uma espécie de câncer gigante pendendo de sua papada, esticando sua pele fazendo tudo parecer uma barba, uma barba nojenta de pele e tumor, mas uma barba ainda assim. O novo braço de Azog que parece algo extremamente doloroso, mas útil naquelas condições é outro exemplo. Em contramão o fato de todos eles serem feitos por CGI mostram que Del Toro só influenciou até certo ponto, já que ele mesmo prefere nunca usar a técnica, exceto quando a falta dela limita a imaginação.


Mas enquanto os personagens mencionados acima não tinham a necessidade de serem digitais, o Gollum/Smeagol na sequencia Charadas no Escuro é simplesmente o primor da tecnologia de captura de movimento, Andy Serkis faz sua obra prima novamente e por mais que o texto em si não dê tanto impacto ao personagem quanto o texto de O Senhor dos Anéis dava (o tempo em tela também conta), mas as expressões de Serkis simplesmente fazem com que o Smeagol seja imediatamente carismático, assustador e digno de pena, tudo ao mesmo tempo.


Por mais que a cena em que Bilbo usa pela primeira vez o anel tenha sido uma imitação da cena em que Frodo faz isso pela primeira vez, só que mal feita, a cena seguinte em que uma lagrima escorre dos olhos de Gollum por ele ter perdido seu precioso compensa isso.


Sem contar que o texto (quase) sempre funcionando bem, mostra que detalhes soltos como um frase encorajadora de Gandalf fazem sentido na “Big Picture” que é a saga Senhor dos Anéis. “A coragem não está em tirar uma vida, mas sim em saber quando poupar uma” ou algo assim que fez Bilbo, que poderia ter matado Gollum, para antes de faze-lo, isso é claro significaria o Apocalipse 5 filmes mais tarde.


Além de Gollum/Smeagol todos os personagens estão na mesma altura de carisma, embora quem mais se sobressaia seja mesmo o Bilbo de Martin Freeman, Freeman criou o Hobbit perfeito. Ele tem mais charme e carisma que qualquer um dos 4 Hobbits de o Senhor dos Anéis, embora o quarteto que eles formavam juntos seja imbatível. Thorin sempre teimoso, Saruman dando indícios de seus “planos”, Gandalf louco (como sempre) e Radagast, o perfeito personagem bizarro do filme estão todos exatamente como deveriam ser, ou até melhor.


O Hobbit – Uma Jornada Inesperada


Dos anões, entretanto, quem mais ser destaca (além de Thorin, é claro) é Balin. Para quem não lembra Balin é o anão que está morto em Moria, pouco antes de Gandalf enfrentar o Balrog em A Sociedade do Anel. Achei que Gloin, por ser pai de Gimli teria mais destaque no filme, mas parece que estava enganado.


O último dos grandes triunfos do filme está em um ponto controverso. Seu ritmo. Li quase em todas as críticas que o ritmo do filme é lento ao ponto de ser quase insuportável. Eu acredito que ou essas pessoas viram o filme errado ou elas não viram ou não gostam de O Senhor dos Anéis. O Hobbit tem o mesmo ritmo lento do inicio de A Sociedade do Anel e tem muito mais ação do que os dois primeiros filmes da trilogia original juntos em seu final.


Confundir introdução de personagens com “não acontecer nada” são duas coisas absurdamente diferentes, não há um momento sequer onde “não acontece nada”. Sempre algo está acontecendo só que nem tudo são magias e explosões, Harry Potter e As Relíquias da Morte Parte 1, por exemplo, é muito mais introspectivo e calmo do que O Hobbit.


Parece que o ponto crítico do filme para todos tenha sido às 2 horas e 40 minutos de duração de um filme que é o primeiro de uma trilogia baseada em um só livro pequeno. Implicar com o ritmo então é fácil e a primeira coisa que se pensa, porém o que todos estão parecendo esquecer é que (além das adições) O Hobbit é uma escrita infantil, por mais que o livro tenha 300 paginas apenas, a cada 20 paginas está acontecendo algo novo. Por mais que Tolkien tenha escrito O Hobbit de forma muito melhor do que ele escreveu O Senhor dos Anéis, em O Hobbit é tudo extremamente simplificado e corrido, não consigo ver agora uma transposição áudio visual do livro sem 2 filmes pelo menos, com as adições já mencionadas ter um 3° filme é um processo natural.


O humor também é uma grande arma de O Hobbit, os anões e Radagast cuidam da maior parte, mas não quer dizer que até o próprio Saruman não possa dar suas piadas gratuitas ao publico. Embora a maioria tenha relação com as expressões faciais de Bilbo e outras com relação a comida e anões, provavelmente a frase mais engraçada do filme foi a resposta de Radagast ao alerta de Gandalf sobre os Wargs de (lugar com nome complicado) replicado por um “E eu tenho coelhos de Rhosgobel, quero ver eles sequer tentarem me alcançar”


O Hobbit – Uma Jornada Inesperada


A Grandeza Visual de Peter Jackson


Enquanto eu senti falta de Guillermo Del Toro em alguns aspectos já mencionados acima, Peter Jackson é insubstituível para o universo de Tolkien. O diretor tem uma noção impar sobre transformar uma cena, por mais simples que seja, em algo épico.


Os Ângulos de câmeras usados por Peter são incríveis, algumas do tipo que geralmente só vemos em desenho animados. Jackson abusa do uso de Travelings, Panorâmicas e do uso de Gruas que passeiam todo o tempo pelo céu sobre a comitiva.


O Hobbit – Uma Jornada Inesperada


Ainda que Jackson repita quase quadro a quadro certos shots que funcionaram especialmente bem em O Senhor dos Anéis, como o Gollum sobre a pedra com Bilbo como vitima / A Laracna caminhando sobre a fenda de pedras com o Frodo como vitima. Tudo isso soa não como preguiça criativa, mas sim como tentativa de manter o mesmo padrão visual, o Look And Feel da série permanece o mesmo.


A Desolação de Smaug e o fim da jornada


O fim do filme é no mínimo de tirar o fôlego e de marejar os olhos. Mesmo que a comitiva dos anões não seja tão carismática quanto à Sociedade do Anel, talvez pela falta de variedade, com certeza será difícil aguardar saber mais sobre eles com toda ansiedade gerada por esse filme.


Beorn e Smaug ficam para o próximo filme, a batalha dos 5 exércitos fica para o último. Mas de algum modo o que mais me deixa ansioso é ver no que vai dar Peter Jackson e companhia arriscar no terreno do novo. O que acontecerá com o Rei Bruxo de Angmar, Dol Guldur, Radagast, o Castanho e tudo que ainda não conhecemos da trama?


Que se passe logo um ano, pois assim como Bilbo, queremos ver aqueles simpáticos (e teimosos) anões conseguirem de volta sua casa.

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