Doctor Who – 9° Temporada | Crítica


SPOILERS

Eu sempre tive um problema com Doctor Who. O meu problema com a série é simples, ela é a minha série favorita atualmente e ainda assim eu nunca consigo colocar ela na minha lista de 10 melhores do ano. Toda temporada tem coisas brilhantes e coisas vergonhosas. Na oitava temporada por exemplo, tivemos a incrível e muito bem explorada relação entre o 12° Doutor e a Clara, tivemos o belíssimo início do episódio Dark Water e tivemos o clássico instantâneo Listen, mas tivemos outros momentos como o episódio do Robin Hood e todo o arco final que só se salvou por ter a Missy.


Mas o meu problema com Doctor Who finalmente acabou, pois Steven Moffat conseguiu com essa 9° temporada, entregar a melhor e mais perfeita temporada da série até o momento, sim, eu não estou dizendo melhor dos últimos anos, nem melhor do Peter Capaldi e sim a melhor temporada de Doctor Who.

Ainda que a 2°, a 4° e a 6° temporadas tenham sido exemplares, foi finalmente com a 9° temporada que Doctor Who parece ter finalmente se livrado do terrível estigma de ser uma “série para fãs” para se tornar uma série completa.

Esse ano a série se focou em arcos de episódios duplos, com exceção de um episódio solo e do arco final que continha três episódios. Enquanto isso, por trás da trama houve um tema que permeou a história, que era a profecia sobre o híbrido, uma criatura que seria o híbrido de duas raças guerreiras que destruiria o tempo.

Uma das coisas que Steven Moffat mais sabe e gosta de fazer é brincar com a origens clássicas da série, sempre dando uma nova visão a algo já estabelecido, ele usou muito a Clara para isso, com o final da 7° temporada e com o já clássico Listen da 8° temporada. Dessa vez ele fez o mesmo com Davros, o criador dos Daleks, mostrando como o 12° Doutor ajudou a criar esse vilão. The Magician’s Apprentice e The Witch’s Familiar são bons episódios não apenas por trazer uma nova origem aos Daleks, que indiretamente existem graças ao Doutor, mas também por trazer de volta Michele Gomez inspiradíssima no papel de Missy. Infelizmente só vemos Missy nesses dois episódios, mas certamente ainda vamos aproveitar mais da personagem no próximo ano.

No par de episódios seguinte o Doutor precisa enfrentar o Fisher King, um novo e interessante vilão que é combatido com um paradoxo tão complexo que mesmo com o Doutor quebrando a 4° parede para nos explicar ainda fica difícil de entender. Os episódios que colocam o Doutor contra o Fisher King são bons e ao mesmo tempo são a clássica e descompromissada aventura de Doctor Who que já conhecemos.
 

Oposto a isso, o par seguinte de episódios é menos descompromissado, mostrando a introdução da híbrida Ashildr, personagem interpretada por Maise Williams, a nossa querida Arya Stark de Game of Thrones. O primeiro episódio do par, The Girl who Died é bobo, mas interessante, o segundo, The Woman who Lived é bobo e bem abaixo da média de episódios do ano.

Por sorte após abandonarmos Ashildr, ou Eu como ela se chama agora, voltamos a uma área mais conhecida da série, a UNIT lutando contra os Zygons num episódio que é uma sequência direta dos eventos do episódio especial de 50 anos. The Zygon Invasion é mediano, mas The Zygon Inversion é espetacular.

Todo Doutor tem aquele discurso marcante que o define, o 11° Doutor teve vários e o Doutor de Peter Capaldi acabou de ter seu primeiro nesse episódio que não é marcante apenas por ser bem escrito, mas por ser atual e humano. Esse episódio é cheio de momentos definitivos para Doctor Who, mas esse discurso é o mais importante deles e você pode assistir com legendas na cena abaixo:
Discurso Anti-Guerra do Doutor (The Zygon Iversion) | DWBR
"Quanto sangue será derramado até que todos façam o que deveriam ter feito no princípio!? Sentem-se e conversem!"Hoje o mundo está em luto por esse episódio de tragédia acontecida em Paris. Nós nunca pensamos que um timing de um discurso em Doctor Who seria tão amargo assim.É (muito) triste pensar que problemas realmente poderiam ser resolvidos simplesmente abrindo-se diálogo mas que isso simplesmente não é feito.Fica aqui nosso desejo de que em algum futuro próximo os conflitos sejam dissolvidos com simples caixas vazias e um pouco de conversa.
Publicado por Doctor Who Brasil em Sexta, 13 de novembro de 2015
Além disso a Osgood revelou nesse episódio o seu primeiro nome, Petronella, e o Doutor revelou o seu primeiro nome, Basil… o que provavelmente é uma mentira, afinal a regra numero 1 do Doutor é “o Doutor mente”, ou será que ele não mentiu dessa vez?

Agora com tanta coisa legal acontecendo, o foco é tirado completamente sobre Clara. Toda a relação interessante entre ela e o Doutor construída na 8° temporada parece ter sido deixada um pouco de lado, em alguns episódios como The Woman who Lived ela nem aparece e em outros, apesar de a Jenna Coleman estar em destaque como Zygella, a própria Clara fica relegada a segundo plano. Ainda assim o tema de que a Clara está parecida demais com o Doutor acaba aumentando nesse ano, com ela ainda mais desprendida e tomando riscos ainda maiores agora que Danny Pink morreu e não há mais nada que a ligue a vida na Terra.

Clara é a minha companion favorita e isso me preocupou um pouco, pois os dois únicos episódios que dão certo destaque a ela são os dois únicos episódios que são de fato ruins no ano, Sleep no More, uma tentativa de fazer um found footage em Doctor Who, uma boa ideia, mas uma péssima execução e Face the Raven, o episódio onde Clara morre e que é absurdamente desapontador, alias, ele é uma tentativa de literalizar uma expressão em 50 minutos e não muito mais do que isso.

Mas o episódio seguinte, facilmente o melhor da temporada e o clássico instantâneo do ano, chamado Heaven Sent, mostra uma ideia errônea que as pessoas fazem das companions. Muita gente pede companions alienígenas, ou uma companion Time Lord e coisas assim, esquecendo que para Doctor Who, uma companion antes de ser uma personagem é uma ferramenta de roteiro. Clara, Donna, Amy, Rose e até a Martha eram a nossa visão comum sobre o que o Doutor pensava, para quem ele precisava explicar o que nós não conhecemos, para ele explicar os seus planos mirabolantes. E Heaven Sent, um episódio sem companion e sem ninguém além do próprio Doutor nós vemos o quando a companion faz falta e ao mesmo tempo o quando um episódio pode ser maravilhoso sem esse artifício.

Não foi difícil ver reclamações na internet dizendo que o episódio foi confuso demais e a razão para isso é simples, o Doutor não tinha ninguém para explicar o episódio, que por um acaso, não foi confuso, foi brilhante.

Quando você finalmente entende o que está acontecendo em Heaven Sent e quando o Doutor termina depois de 4 bilhões de anos de contar o seu conto sobre o “um segundo da eternidade” e sobre o seu incrível pássaro, não tem como não ficar arrepiado com a qualidade do texto de Moffat e sobre até onde sua inventividade vai e sobre até onde ele consegue empurrar os limites do “épico” em Doctor Who.

Heaven Sent é provavelmente um dos episódios mais brilhantes da série, coincidentemente tão brilhante quantos outros episódios escritos pelo próprio Moffat, que é de fato um gênio.

Agora o último episódio do ano (com exceção do especial de natal que vai trazer a River Song de volta o/), a season finale que fez o Doutor finalmente encontrar Gallifrey, que ele procurava desde o final do episódio especial de 50 anos foi surpreendente em diversos pontos. O primeiro ponto é que Gallifrey virou um objetivo secundário do Doutor, o seu ponto em Hell Bent era destronar Rassilon e para minha felicidade, trazer Clara de volta a vida.

Com a tecnologia dos timelords, algumas aparições rápidas dos Daleks, Cybermen e Weeping Angels e de uma Tardis original, o episódio consegue ir ainda além do que o episódio anterior, colocando o Doutor e Clara nos limites do tempo, onde apenas Ashildr ainda vive.

O Doutor e Ashildr discutem sobre o híbrido e a teoria corrente é que o híbrido não seja uma pessoa, e sim a relação entre o Doutor e Clara, uma relação que beira a doentia e que o fez arriscar o próprio tempo para salvá-la, coisa que por acaso nenhum Doutor jamais fez por sua companion. Um timelord e uma humana, um híbrido de duas raças guerreiras, uma ótima sacada e que levou a um final que num primeiro momento parecia ser semelhante ao final de Donna, coincidentemente minha segunda companion favorita.

Mas no fim das contas, conhecendo o amor que Steven Moffat tem por Jenna Coleman e por Clara Oswald, era fácil prever que ela teria o melhor final que qualquer companion poderia ter, se transformar em uma imortal com a sua própria Tardis e sua própria companion. O que me faz lembrar que um tempo atrás eu previ que Clara seria a nova Sarah Jane Smith. Uma companion para sempre. Eu não duvido em nada que a Clara vai voltar mais cedo do que tarde de forma épica para Doctor Who, ainda que seja em um episódio especial, ou quem sabe num mundo mais feliz, protagonizando o seu próprio spin-off.

No geral, Doctor Who conseguiu esse ano ter praticamente apenas bons episódios, com pouquíssimas exceções, no meio de momentos brilhantes tanto da atuação sensacional de Peter Capaldi, quanto no texto sem igual de Steven Moffat que nos empurra sempre além dos limites épicos que ele próprio estabeleceu para a série. Tanto com episódios como Heaven Sent que é um clássico instantâneo, quanto com Hell Bent e The Zygon Inversion, que tem momentos inesquecíveis para a longa história da série.

NOTA: 9,5
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