Adaptações, remakes, sequencias e a suposta “falta de criatividade” da indústria criativa


“Hollywood perdeu a criatividade” essa é uma das frases mais comuns para aqueles que gostam de criticar o cinema atual, mas eu me pergunto porque a frase não se tornou ainda “nós, quanto audiência, tornamos a indústria retrógrada e nunca saímos da zona de conforto”. Acho que essa segunda frase reflete muito mais a realidade atual da indústria do cinema, mas isso vai bem além do cinema, isso atinge os games também.

"Hollywood" (entre aspas porque é dificil falar da indústria como um todo) está muito bem no quesito criatividade até onde eu sei, vocês assistiram Ex Machina? Um bom exemplo de filme criativo do ano passado. Sim, é só UM filme, mas quando eu perguntei: Você assistiu Ex Machina? Possivelmente a sua resposta foi não! Se você assistiu, seja honesto, quantas pessoas no seu círculo social ou familiar assistiram Ex Machina? Aposto que não muitas, agora pegue esse número de pessoas e confronte com o número de pessoas que você conhece que assistiu, digamos, Velozes e Furiosos 96 (já está no 96, certo?).

Há fundamentos para essa implicância da falta de criatividade na indústria cinematográfica e na indústria dos games também, a quantidade de sequencias e adaptações por ano é assustadoramente grande, mas isso é um sintoma de outro problema e não da falta de criatividade, quer exemplos?

Círculo de Fogo, filme do Guillermo del Toro, muita gente gostou, muita gente não gostou, mas uma coisa é fato, era um filme ousado por um simples motivo, ele era um blockbuster original, não necessariamente original em suas inspirações, já que ele é inspirado em diversas obras da cultura japonesa, mas original no sentido de que não é diretamente adaptado de nada e o resultado? Abaixo do esperado... tão abaixo do esperado que quase não ganhou a sua (vejam só) sequencia.

Exemplos do contrário? Bem, Cavaleiro Solitário e Lanterna Verde foram dois blockbusters que prometiam virar franquias, a crítica e o público odiou tanto esses filmes que não há nenhuma sequência de Cavaleiro Solitário planejada e provavelmente não haverá outro reboot dessa IP enquanto ainda lembrarmos que Johnny Depp um dia atuou. Já Lanterna Verde, um dos heróis mais interessantes e proeminentes da DC, foi o único que ainda não está engatilhado para a Liga da Justiça ou em filme próprio nessa nova onda de filmes que a Warner está fazendo.

O cinema ficou muito caro, Steven Spielberg um tempo atrás profetizou o apocalipse de Hollywood dizendo que uma hora, com o jogo num nível tão elevado quanto está hoje, alguns produtores iam errar em sequência, errar uma vez atrás da outra e a indústria ia quebrar por isso e o cinema como conhecemos hoje acabaria.

Acontece que por outro lado o cinema é muito democrático, e a forma que Hollywood faz para ter certeza que não vai quebrar é fazer o que ela sabe que as pessoas querem, fazer o que ela sabe que vai funcionar. Adaptar livros é bom, pois você tem um custo menor com o marketing para fazer as pessoas entenderem do que aquilo se trata, afinal já é uma obra conhecida. Filmes de distopias e aventuras fantásticas com adolescentes em geral também são fáceis de fazer, pois adolescentes gastam muito dinheiro com o cinema e já provaram que gostam disso... exceto que, se formos pensar nos números, o último Jogos Vorazes (que iniciou essa fama) foi o que menos rendeu dinheiro. A Lionsgate, como já falamos AQUI, anda muito mal das pernas, além da pouca grana que o último filme da Katniss rendeu, a franquia Divergente também não vai lá muito bem. Somado a isso, o filme Cidade dos Ossos foi tão mal, que tudo que conseguiram fazer com a obra a partir daí foi transformá-lo em uma série de segunda divisão que aqui no Brasil passa pela Netflix.

O fato de você ver Hollywood não anunciando mais filmes no estilo e no máximo levando Divergente e Maze Runner até o seu final significa que eles ficaram mais criativos e perceberam que não devem ficar se repetindo? Não... significa que as pessoas votaram com sua carteira de que não é isso que elas querem ver.

Algumas vezes Hollywood entende mal o recado, como falamos AQUI sobre Deadpool, porque também tem bastante gente estúpida por lá, mas criadores, não importa aonde eles trabalhem são inquietos e querem sempre fazer o melhor, mas o melhor que os criadores oferecem não necessariamente é o que as pessoas querem ver.

Hollywood tem até mesmo a sua forma de incentivar o cinema mais artístico, um evento que talvez você conheça como Oscar, eles premiam os melhores dentre eles mesmos e incentivam assim, ainda que indiretamente, as pessoas a consumirem mais do que apenas blockbusters. Sem contar que a grana arrecadada pelos estúdios por esses grandes filmões bem genéricos, mas que o povo ama, é usada muitas vezes para fazer os filmes menores, mais descolados e interessantes e que quem critica a falta de criatividade de Hollywood costuma amar.

E o problema não é a mídia que esses filmes têm enquanto outros mais criativos não têm, eu posso passar um mês inteiro falando de Lars Von Trier, uma matéria por dia que quando sair um único artigo sobre um filme da Marvel ele vai ter mais audiência do que o mês inteiro de matérias sobre o bizarro diretor dinamarquês teve. E isso vale para games também, ontem mesmo eu escrevi um review sobre Hyper Light Drifter, e a audiência dele é incomparavelmente menor que o primeiro dia de audiência do review do último Call of Duty.

Não é que Hollywood ou a indústria dos games tenha perdido a sua criatividade, é que o público em geral não quer criatividade, no caso dos games nós exploramos bastante o assunto em um podcast AQUI e no cinema os números de bilheteria que vemos todos os dias falam por si só.

A indústria só é a vilã, se nós, a audiência, permitirmos e nesse momento nós não apenas permitimos, mas incentivamos também.
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