Mr. Robot – 1° Temporada | Crítica
Eu achei difícil gostar de Mr. Robot nos seus dois primeiros episódios basicamente porque a sua temática anticapitalista é infantil e inconsequente e tão boba que uma criança pode refutá-la sem problemas, por outro lado eu me peguei pensando porque diabos eu estava assistindo o segundo episódio de uma série cuja temática eu detestei? Simples, porque sua narrativa, sua identidade visual e tudo o mais que a cerca é incrível.
Pra começar podemos falar sobre os personagens, não tem como não ficar cativado pela loucura paranoica de Elliot, pela estranheza e frieza de Tyrell, mesmo pela rebeldia quase inocente de Darlene, ou pela normalidade de Ângela em um mundo de loucos.
É verdade que não sabemos muito do mundo e do verdadeiro Elliot até certo plot-twist no 8° episódio e consequentemente toda a amplitude de quem é Darlene também não é conhecida até lá. Ainda que as motivações de Tyrell continuem um mistério até o fim da série, ele é de longe uma das coisas mais interessantes que a série tem a oferecer, especialmente porque ele é o tipo de vilão infalível que acaba falhando graças a sua arrogância.
Ângela acaba sendo um porto seguro de normalidade no meio do mundo de Hackers megalomaníacos e corporações malignas e até por isso alguns dos seus momentos são extremamente interessantes na série, quando ela flerta com qualquer um dos lados é quando vemos uma veia realista pulsando em toda aquela loucura, como tudo aquilo poderia nos atingir é como tudo atinge a Angela e nos ajuda a compreender melhor o mundo que está sendo descrito.
Visualmente, Mr. Robot é um trabalho interessante, embora não seja exatamente uma obra prima visual no nível de Hannibal ou Breaking Bad, a série se permite alguns arroubos visuais bacanas, um deles é nunca focar ou centralizar a tela no que é realmente importante em cena, isso talvez nos dê uma ideia de que não estamos nunca vendo o que deveríamos estar vendo enquanto assistimos seus episódios.
Além disso a estética da série torna toda a ideia de Hackers realista, diferente do que a maioria dos filmes sobre o tema mostra, não tem em nenhum momento Elliot "revertendo a polaridade" de algum sistema de defesa gráfico, é sempre sistema de comando, telas pretas e sem vida com apenas algumas linhas sendo digitadas e há certa beleza nisso. Nesse ponto, é interessante notar também a estética dos nomes dos episódios, que são nomes de arquivos de vídeo com números e letras misturadas, com direito até o ponto e a extensão no final deles, o que ajuda a entrar no clima.
Sobre o texto, assim como a linguagem visual, é excepcional, sempre brincando com verdades e nos deixando em dúvida sobre o que estamos vendo, foi também sábio do roteiro esconder o seu principal plot-twist até o oitavo episódio, já que podemos voltar atrás e ver tudo o que estava de errado no roteiro da série até então e entender a trama sobre a nova ótica. Ainda assim, o que é mais interessante no roteiro é o fato de nós, o público, sermos um amigo imaginário de Elliot que a todo momento nos trata assim, a ponto de no último capítulo um personagem quase olhar para câmera e avisar a Elliot que nós não somos reais.
Talvez depois de House of Cards seria intuitivo fazer a quebra da quarta parede para essa ligação entre Elliot e nós, mas a série prefere fazer ele se comunicar conosco através de pensamentos e narração em off, não diretamente, o que soa uma boa escolha, porque diferente de Frank Underwood, que é espirituoso o suficiente para fazer isso funcionar, Elliot é o sinônimo da depressão.
A atuação de Rami Malek é um trunfo para a série, o ator, semi-desconhecido fez um trabalho digno de ser pelo menos lembrado em uma indicação do Emmy, mas nem de longe ele é o único que faz um bom trabalho na série, os também desconhecidos Portia Doubleday, Carly Chaikin, Frankie Shaw e Martin Wallström mandam muito bem, além é claro da presença de Christian Slater como o personagem que dá nome a série.
Mas tudo em Mr. Robot vai muito bem até seu 8° episódio, quando o grande plot-twist da série se dá e certamente explode nossas cabeças, no próprio episódio algumas dicas do que estava por vir são mostradas e de fato é muito legal ver a história se enveredar para esse lado, mas vamos ser sinceros, a temática de Mr. Robot é a mesma de Clube da Luta, o objetivo da fsociety é o mesmo que o do Projeto Caos do Clube da Luta, a narrativa de amigo imaginário é muito semelhante a narrativa em off do estilo “Eu sou o Câncer de Jack” vista em Clube da Luta, os valores anticapitalista e extremos são os mesmos em ambos e existe na fsociety até mesmo uma versão da 1° e 2° regra do Clube da Luta e então, depois disso tudo, de todas essas semelhanças vem o episódio 8 com seu plot-twist e...
Por mais que no 9° episódio uma referência ao próprio brilhante filme de David Fincher seja feita com a trilha sonora, isso não transforma a série menos em cópia e mais homenagem, não adianta você falar que isso tudo não tira a originalidade de Mr. Robot, pois tira, não há nada de original na série, ela é sim uma cópia de Clube da Luta com uma pitada de hackativismo adicionado na formula.
Agora, isso significa que Mr. Robot é ruim? Não, nem pensar, Mr. Robot é excelente só não é lá muito original.
Quando eu disse parágrafos acima que o problema começa a partir do oitavo episódio, não é por causa da cópia descarada de Clube da Luta, mas sim porque os dois últimos episódios da série não avançam a trama que estava em velocidade máxima no episódio anterior, o 9° episódio é inteiramente para explicar o plot-twist enquanto o 10° comete um crime narrativo de nos privar do clímax da série que estava sendo todo construído desde o episódio 1, para simplesmente gerar dúvidas e pontas soltas para o próximo ano.
Nós podemos criar dezenas de teorias sobre até que ponto vai o problema mental de Elliot e a relação dele com o Tyrell que é extremamente confusa, nós podemos ficar aqui pensando no que o “hacker do Tempo” tava fazendo nas cenas pós-créditos (num belo plano-sequência que parece se relacionar com a personalidade controlada do personagem), ou mesmo quem estava na porta de Elliot antes da temporada acabar, mas por mais que isso seja divertido, impedir a narrativa de fluir e dar um salto no tempo para nos abrir tramas para a próxima temporada foi uma escolha que na minha opinião feriu muito a qualidade da série.
No fim das contas, Mr. Robot é uma série que trata a sociedade e a nossa relação com a tecnologia da forma mais cínica e óbvia possível, da mesma forma como alguns dos “grandes pensadores” jovens de hoje em dia gostam de tratar, mas mesmo eu que discordo com todas as forças de vários dos pontos vista da série, me vi preso a ela graças a sua habilidade narrativa, a seus personagens interessantes, a sua linguagem estética e... bem... Clube da Luta é um dos meus filmes preferidos.
NOTA: 8,9