Orange Is the New Black - 3ª Temporada | Crítica

A segunda temporada de Orange Is the New Black trouxe uma nova perspectiva para sua narrativa: protagonizar suas personagens coadjuvantes. A investida teria tudo para dar errado caso o elenco que acompanha Taylor Schilling fosse fraco, ou até mediano. Afinal, tirar os holofotes da protagonista quase sempre é um tiro no pé, certo? Este não é o caso de OITNB por duas razões: seu roteiro e seu elenco. Que elenco.


A jogada da produção, ao dar destaque para as coadjuvantes, tinha como objetivo avaliar a reação do público, que respondeu muito bem. E, seguindo a receita do segundo ano, a terceira temporada é muito clara no recado: a série vai muito além de Piper Chapman (Schilling).


Abrimos a nova temporada com um dramático episódio sobre o Dia das Mães. E esta escolha não foi à toa, afinal, os temas que permeiam toda a temporada são a maternidade e os laços familiares arraigados de berço e os que são criados ao longo da vida, neste caso, na prisão. O exemplo mais claro disto é a situação de Daya (Dascha Polanco), que, ainda grávida, enfrenta o dilema de entregar sua filha para sua conturbada família ou para a mãe de Pornstache (Pablo Schreiber), que demonstra uma genuína vontade de criar o bebê, mesmo após descobrir que seu filho não é o pai da criança. A fragilidade da personagem fica evidente a cada conversa com sua mãe.


O roteiro continua sendo um dos pontos altos da série. Desfrutamos de bons diálogos associados a assuntos de extrema relevância, sempre tratados como non clichês. A indiferença que sentimos por Doggett (Taryn Manning) na primeira temporada agora é transformada em compaixão por todas as infelicidades que passou durante a vida e, pior, pelo estupro que sofreu dentro da penitenciária. Por isso é tão importante a presença pontual dos flashbacks. As conversas que ela e Big Boo (Lea DeLaria) tiveram a respeito do abuso sofrido são para emocionar e aplaudir as atuações. Aliás, a temática do aborto também foi muito bem conduzida pelas duas.


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Outros dois grandes destaques ficam por conta de Gloria (Selenis Leyva) e Sophia (Laverne Cox) e as dificuldades para criar um filho de dentro da prisão. Apesar de serem criminosas, ainda são pessoas, tão suscetíveis a vulnerabilidades quanto qualquer outro ser humano. Considero Gloria a melhor latina da família, e seu desenvolvimento ao longo dos episódios é divertido e comovente de se assistir. Laverne Cox conduz muito bem o traço complexo de sua personagem, que ao mesmo tempo que tem de impor ao mundo quem realmente é, uma mulher transexual, passa os ensinamentos machistas do pai para ajudar seu filho no início de sua vida sexual. Um tanto quanto controverso. Sophia, além de sofrer com o desvio de caráter de seu filho, é vítima de transfobia, um assunto delicado e importante de ser mostrado. E a forma como foi tratado é honesta e tocante.


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Piper, por outro lado, parece não sentir falta de sua família. À Piper foi dada a atitude que lhe faltava. Apesar da mesma ser justamente questionável, ela já não é mais a patricinha que conhecemos, se impondo às detentas no maior estilo thug e criando uma rede de venda de calcinhas. A comicidade que envolve este esquema é perfeita. Os rumos que a personagem toma são interessantes se analisarmos quem a mesma era na primeira temporada. Seu relacionamento com Alex (Laura Prepon) nunca perde a graça, embora tenha uma parcela de fan service por trás do mesmo, nem a complexidade, essa aumentada com a entrada de Stella (Ruby Rose) na vida e na ''empresa'' de Piper. Alex já caiu nas graças do público há tempos, o que causa a preocupação acerca do futuro da personagem. O que será que aconteceu dentro da estufa?


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Crazy Eyes (Uzo Aduba) precisa de pouco para roubar a cena, e, após um denso arco com Vee (Lorraine Toussaint) na última temporada, vemos a personagem adentrar no mundo da ficção ao escrever histórias eróticas com personagens como Almirante Rodcocker. É hilário, é incrível -- eu compraria um manuscrito. Acompanhamos também a criação de uma seita à Santa Norma que, apesar do tom cômico que envolve o plot, sutilmente mostra a religiosidade, a fé, que as pessoas têm em alguém ou em algo. Também salienta a intolerância religiosa que cerca aqueles que possuem uma crença -- coincidência com as últimas atrocidades que estão acontecendo no Brasil.


Vale ressaltar o desenvolvimento dos funcionários da prisão. Joe Caputo (Nick Sandow) é o mais notável. O que ronda o personagem é a infelicidade pelos fracassos pessoais que teve ao longo de sua vida e os desafios profissionais que enfrenta logo quando assume o novo cargo. Mesmo com todas as limitações, Caputo é um ser humano benevolente e que tenta, de verdade, melhorar a vida das detentas, tratá-las como seres humanos, e não como cortes de gastos e animais. Isso é perceptível. A privatização da penitenciária rendeu um plot um pouco cansativo, mas que serviu para mostrar como o sistema age, e as consequências negativas para as detentas e os próprios funcionários.


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Jenji Kohan continua a tratar de assuntos polêmicos, como intolerância religiosa, racial e sexual, aborto, drogas etc, com uma direção bem simples, mas muito competente, que se casa perfeitamente com o excelente texto dos roteiristas. A fotografia é boa e funciona bem, uma vez que não é preciso muito esforço da equipe de design; o uniforme bege ressalta a personalidade de cada personagem, mesmo aquelas que usam brincos, penteados e maquiagem para se caracterizarem. O desfoco na protagonista em prol da exibição da diversidade de tantas outras carismáticas personagens foi uma escolha muito bem acertada, e que com certeza deve seguir no próximo ano. A 3ª temporada de Orange Is the New Black pode superar a primeira para alguns fãs, pode estar a altura para outros, mas se mostra a mais madura de todas. Quem sai ganhando é o público.


 
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