Powers – 1° Temporada | Crítica


Não há nenhuma dúvida que super-heróis estão em alta na indústria audiovisual. Indiscutivelmente, a Marvel vem sendo a responsável pelos maiores hypes cinematográficos dos últimos anos e logo mais teremos a DC entrando definitivamente na briga pelas bilheterias e audiência. Perdido e deslocado em meio a esse mundo de heróis famosos, poderosos e com orçamento de sobra está Powers, a primeira série original distribuída pela PlayStation Network.


O seriado se passa em uma Los Angeles onde a presença de pessoas com superpoderes é algo extremamente natural. Tão natural que existe até uma divisão da policia criada especialmente para tentar controlar todos os problemas relacionados aos Powers (como são chamados aqueles que possuem habilidades especiais). A história narra as desventuras de dois detetives que precisam investigar o surgimento de uma nova droga que é capaz de deixar Powers ainda mais... poderosos!


O seriado é baseado na HQ homônima, criada por Brian Michael Bendis e Michael Avon Oeming, que está em circulação desde 2000. Quatro anos após seu lançamento, a publicação ganhou o selo da Marvel e logo começou a atrair gente interessada em adaptar a história para o cinema ou tv. Em 2011 um piloto foi encomendado pela FX, mas não vingou. Foi então que a Sony teve a brilhante ideia de assumir o projeto e desenvolver seu primeiro seriado original para ser distribuído através do Vue, serviço de streaming da PlayStation Network.




[caption id="attachment_68810" align="aligncenter" width="750"]Powers chegou à Marvel através do selo Icon, uma linha editorial da empresa Powers chegou à Marvel através do selo Icon, uma linha editorial da empresa para a publicação de obras autorais[/caption]

Quanto a “brilhante ideia”, eu deixo para que a opinião pessoal de vocês defina se é honesto ou sarcástico, pois Powers é isso: ou adore ou odeie. A premissa da série e a estrutura do mundo que serve como plano de fundo para o enredo é bem interessante, assim como a construção de alguns dos personagens principais. Infelizmente os pontos positivos não passam muito disso e o resto do seriado é uma mistura de clichês, diálogos vazios, atuações de gosto duvidoso e efeitos especiais extremamente simplórios.


No episódio piloto somos apresentados ao detetive Christian Walker (Sharlto Copley), um ex-Powers de codinome Diamond que teve seus poderes roubados e agora precisa combater o crime à moda antiga: com arma de fogo, investigação e muito café. Logo nos primeiros minutos o parceiro de Walker morre e não demoramos muito para conhecer sua nova companheira: Deena Pilgrim (Susan Heyward). O veterano não quer um novo parceiro, a novata quer mostrar seu valor e... bem, você já conhece essa história. A primeira missão da dupla é investigar a morte de um famoso Power antigo companheiro de Diamond e logo eles descobrem que a morte está relacionada a uma nova droga chamada Sway. O aparecimento do narcótico coincide com a inesperada volta de Johnny Royalle (outro famoso Power antigo companheiro de Diamond...) a cidade, um homem controverso e inicialmente caracterizado de forma vilanesca.


Toda a trama da primeira temporada se desencadeia desses acontecimentos. Com o passar dos episódios temos a adição de Wolfe (Eddie Izzard), um Power psicopata-carismático-canibal-filósofo que era conhecido por ser uma espécie de “mentor” de vários jovens até enlouquecer; e de Retro Girl (Michelle Forbes), uma das super-heroínas mais famosas do mundo e que compartilha um passado amoroso com Walker. Ah, não podemos esquecer de Calista (Olesya Rulin), uma jovem que acredita fortemente ter poderes, mesmo nunca tendo manifestado nenhum e Krispin (Max Fowler), que vai gradualmente desenvolvendo um imenso ódio contra os Powers.




[caption id="attachment_68814" align="aligncenter" width="750"]Eternamente acorrentado, seminu, lobotomizado e fugitivo Wolfe, eternamente acorrentado, seminu, lobotomizado e fugitivo[/caption]

O desenrolar da trama é interessante, com algumas reviravoltas realmente surpreendentes, como, por exemplo, a origem do Sway. Já outros pontos são tão mal explorados que chegam a ser toscos, principalmente Wolfe. Um homem tão intelectualmente influente na formação e até na construção social da imagem dos Powers merecia ter sua história contada de forma mais calma e detalhada. Infelizmente tudo que temos de Wolfe quando ele não está seminu, algemado e lobotomizado ou comendo pessoas, são poucos flashbacks, devaneios sem sentido em um campo de flores e fugas da prisão. Sim, amigos, muitas fugas. O homem mais poderoso e perigoso do mundo consegue escapar duas vezes em uma temporada de 10 episódios! Sem contar que ele já tinha escapado outras vezes no passado! Com uma polícia dessas, ainda bem que existem super-heróis no seriado...


Mas, talvez, o maior divisor de águas para quem assiste a série é o protagonista Christian Walker/Diamond. Aqueles que não gostam do personagem estão muito mais propensos a fecharem os olhos para as poucas coisas boas e promissoras do seriado e, infelizmente, não é tão fácil assim gostar de Walker. Sharlto Copley está “ok” no papel, tendo seus bons e péssimos momentos. É preciso admitir que em muitas situações o roteiro não é de grande ajuda. Em contrapartida, o desenvolvimento do personagem no decorrer da temporada é um dos melhores pontos da série. No início somos apresentados a um homem que perdeu seus poderes e precisa aprender a viver com uma impotência que nunca sentiu antes. Com o passar dos episódios vemos o quanto isso está ligado à Wolfe e toda a raiva/culpa do personagem com seu antigo mentor, assim como o conflito moral interno quando surge a possibilidade de ter seus poderes de volta. Também entendemos melhor a história entre Diamond e Retro Girl, assim como a amizade com Royalle. Ao fim da temporada Walker e Diamond se mostraram duas facetas totalmente diferentes do mesmo personagem separadas pelo tempo, culpa, arrependimentos e saudade do passado.




[caption id="attachment_68815" align="aligncenter" width="750"]"Here and Gone" Royalle: "Here and Gone"[/caption]

Falando em Royalle, ele é o verdadeiro motor do seriado. Com seu eterno cigarro, voz rouca e poder de teletransporte, o personagem é quem faz a série funcionar, sendo diretamente responsável por quase tudo que acontece na trama. Infelizmente ele também protagoniza uma das coisas mais irritantes do programa: sua relação com Calista. A amizade criada entre eles dois, assim como o sentimento superprotetor de Royalle com a jovem são infundados, principalmente quando deixam claro que não existe a possibilidade de um interesse amoroso. A relação surge do nada e se arrasta até o fim. Calista é uma parte importante da história que está sendo construída, mas isso só é mostrado no último episódio da temporada. Até lá, ela é empurrada goela abaixo do espectador com algumas tramas paralelas e com essa parceria totalmente sem propósito.


Os demais personagens fazem seu papel de forma satisfatória. Deena Pilgrim é a parceira novata durona; Krispin e Chaotic Chick já iniciaram o gancho para a próxima temporada com o movimento anti-power; e Retro Girl é a super-heroína modelo, que será a peça central de tudo que acontecerá no próximo ano.


Para finalizar, é necessário elogiar o plano de fundo construído no seriado, principalmente a forma como o “status” social dos super-heróis é apresentado. Diferente do que estamos tão acostumados, em Powers ter poderes significa uma oportunidade para a fama. Essa ideia de heróis-celebridades é apresentada de uma maneira muito bacana, principalmente porque ter poderes é algo normal nesse mundo, então alcançar a fama não é para todos. Os Powers mais bem sucedidos têm agentes, inspiram desenhos animados e são garotos-propagandas de marcas famosas. Os jovens aspirantes gravam vídeos de suas habilidades para a internet e procuram uma grande oportunidade de “salvar o dia” para ficarem famosos. E as pessoas normais consomem todo esse marketing e idolatram seus heróis prediletos.


Powers6


Com a segunda temporada já confirmada e a mudança de showrunner anunciada (Charlie Huston não continuará na produção), Powers tem algum potencial para crescer e melhorar, mas ainda precisará percorrer um longo caminho até lá. Com um olhar rápido e superficial na primeira fase da série já é possível encontrar muitos problemas que são pouco compatíveis com o nosso mercado atual de produtos de super-heróis, como a superficialidade do roteiro e a grande limitação dos efeitos especiais, por exemplo.


Por fim, Powers não chega a ser uma boa série, mas consegue entreter espectadores não muito exigentes. Entre olhar apenas para os defeitos ou enaltecer demais as poucas qualidades, acho que o seriado mereça o status de mediano, mais ou menos, aquele famoso “meia boca”. Uma coisa é quase certa: a próxima temporada precisará evoluir bastante se quiser sobreviver até 2017.

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