Entrevista com Sean Vesce, criador de Never Alone | Exclusiva
Recentemente nós tivemos a oportunidade de fazer uma entrevista exclusiva com Sean Vesce, Diretor de Criação de Never Alone e Diretor de Estúdio da E-Line direto de Seatle. Na entrevista que vocês podem ler abaixo, Vesce fala um pouco sobre a criação do jogo, da cultura Iñupiaq que o jogo apresenta e do futuro dos games indie.
Antes de ler vale dizer que se você não conhece, Never Alone é um game exclusivo para a Xbox One, Playstation 4 e PC sobre uma menina e sua raposa tendo que sobreviver no Alasca. Se você ainda não conhece o game vale a pena dar uma olhada no trailer abaixo:
Agora, vamos a entrevista com Sean Vesce:
Por que vocês decidiram trabalhar em um jogo inspirado na cultura Iñupiaq?
Primeiramente, conheci Gloria O´Neill, a presidente do Cook Inlet Tribal Council, um grupo sem fins lucrativos com sede na cidade de Anchorage, no Alasca, que oferece uma gama de serviços sociais para as comunidades indígenas da região de Cook Inlet (Enseada de Cook, Alasca). A Gloria é uma líder respeitada dentro da comunidade indígena do Alasca, e uma mulher com uma enorme visão e liderança. Ela teve uma inspiração para usar video games como um meio de dividir e divulgar a cultura do mundo. Ela acreditou que jogos poderiam ser uma ferramenta importante para demonstrar toda a beleza e importância dos valores, tradições e histórias da cultura indígena.
Em nossas primeiras conversas, a Gloria nos colocou em contato com membros da comunidade nativa do Alasca e começamos um processo de etnografia crítica, no qual fomos convidados a conhecer pessoas, fazer perguntas e começar a compreender mais sobre a riqueza das culturas indígenas do Alasca.
Para um desenvolvedor de jogos, essa foi uma experiência rara e maravilhosa. Depois de tantos anos criando jogos com base em universos ficcionais, foi incrível trabalhar com material baseado em uma comunidade real, cujas tradições datam de milênios, foi simplesmente fantástico.
A maioria das culturas indígenas - e a Iñupiaq em particular - oferecem grande conhecimento e lições para pessoas em todo o mundo até os dias de hoje. E que maneira melhor de atingir as audiências senão por meio dos videogames?
De onde surgiu a ideia de criar esse tipo de "multiplayer assimétrico" no jogo? A ideia de ter Nuna e a raposa controláveis ao mesmo tempo surgiu no início do processo, ou vocês sentiram essa necessidade depois?
Desde o início, um dos pilares do projeto foi "interdependência" - ou seja, duas partes que devem confiar uma na outra para que possam ter sucesso. Esse é um valor-chave dos Iñupiaq, seja relacionado à comunidade (que precisa trabalhar junta para sobreviver), as relações entre humanos, animais e a terra, e até mesmo a relação entre os homens e o mundo espiritual.
Percebemos desde o início que, para ter sucesso com este projeto, para orgulhar a comunidade Iñupiaq e para inspirar jogadores ao redor do mundo, precisaríamos trabalhar em parceria com os membros da comunidade o tempo inteiro. Isso significava redefinir nossa forma de pensar e fazer jogos, e abraçar o fato de que éramos interdependência.
Portanto, não foi uma surpresa que um valor-chave transcendesse e se tornasse predominante na história do jogo, bem como uma mecânica fundamental entre os protagonistas Nuna e a raposa. Esses personagens, suas histórias e seus objetivos nasceram das conversas que tivemos com membros das comunidades, e inspirados nas histórias que ouvimos de contadores locais como Ishamel Hope e outros. O conceito de um grupo de personagens (e por consequência um grupo de jogadores) que funciona (e é jogável) em conjunto para superar os obstáculos, cada um com suas forças e fraquezas, foi algo que decidimos fazer desde o início do projeto. E inclusive está presente no nome do jogo - Never Alone (Nunca Sozinho).
Para alcançar esse resultado passamos por muitos desafios durante o desenvolvimento, especialmente para nossa equipe pequena. Em vários momentos nos questionamos se os riscos valiam à pena, mas nossos parceiros da comunidade nativa do Alasca nos incentivaram, dizendo que era algo pelo qual valia à pena trabalhar duro. No fim, ficamos muito orgulhosos do resultado. É uma alegria muito grande ver dois jogadores dividindo a experiência do jogo, se divertindo, aprendendo e falando criticamente sobre o game. É especialmente recompensador ver jogadores de gerações e níveis diferentes se juntando para jogar Never Alone.
Acredito que você mostrou o jogo para os Iñupiaq. Qual foi a opinião deles sobre o jogo?
Esse foi um dos aspectos mais desafiadores do projeto como um game designer. Um dos nossos principais objetivos com o projeto era fazer algo que orgulhasse a comunidade nativa do Alasca. Esse foi um grande desafio e durante o projeto estávamos muito motivados para não desanimá-los. Sentimos que eles confiavam em nós para fazermos o melhor e darmos vida ao jogo que construímos juntos.
No fim, todo o suporte e boa vontade não só dos membros da comunidade nativa do Alasca, como de outras comunidades indígenas ao redor do mundo foi impressionante. Recebemos muitas manifestações de gratidão por termos aceitado esse trabalho. Ouvimos muitas histórias de jogadores indígenas e não-indígenas que sentiram uma conexão com o jogo que os fez se reconectar com suas próprias culturas e comunidades. Como um desenvolvedor de jogos, eu nunca poderia imaginar participar de algo que teria um efeito tão positivo no mundo real.
Never Alone foi lançado para PC, Xbox One e Playstation 4, e sairá em breve para Mac (ouvi também rumores a respeito de uma versão para Wii U), no entanto o jogo não está nas gerações mais antigas de consoles. Isso é devido a alguma razão técnica, criativa ou mercadológica? Ou ainda todas elas?
Como uma publisher/developer pequena, estamos sempre sendo desafiados a equilibrar nossas ambições com os recursos disponíveis. Em termos de plataformas, sabíamos que precisaríamos fazer escolhas difíceis sobre com quais plataformas trabalharíamos. Determinamos então que XBox One, Playstation 4 e PC seriam as melhores escolhas para o lançamento inicial. Desde então, o time tem estado muito ocupado trabalhando no jogo para muitas outras plataformas. Ao mesmo tempo, nosso foco recente era trabalhar em uma versão para Mac, mas nos próximos meses vamos anunciar planos para um número adicional de plataformas de última geração.
Este ano (2014) tivemos muitos jogos de plataforma sidescroller no mercado, muitos deles mostrando um lado mais artístico dos videogames, como Child of Light, Valiant Hearts e o próprio Never Alone. Você acredita que essa seja uma tendência que se manterá nos próximos anos?
Jogos de plataforma sempre foram um estilo perene de jogos desde os primeiros dias, e ao mesmo tempo que muitos acreditam que a popularidade deles flutua ao longo do tempo, outros tantos creem que eles estarão conosco por muito tempo. Eu li uma matéria recente em que o editor aguardava 125 jogos de plataforma para 2015!
Como acontece com qualquer gênero, é fundamental que os desenvolvedores continuam a encontrar mecânicas e técnicas de apresentação inovadoras, ou os jogadores olharão para outro lado em busca de inspiração. Baseado no que observo, há muito trabalho interessante sendo desenvolvido, e por isso acredito que muitos bons jogos de plataforma ainda virão.
Você já trabalhou em empresas como Crystal Dynamics e Activision, e também em um jogo indie como Never Alone. Qual é, na sua opinião, a maior diferença em trabalhar em grandes jogos AAA e em jogos pequenos?
Foi muito divertido voltar ao desenvolvimento indie como em Never Alone. Trabalhar em escala pequena tem sido uma grande aventura. Executar uma gama de diferentes tarefas e funções e trabalhar com pessoas que eram realmente apaixonadas pelo trabalho foi muito recompensador em muitos níveis. Para todos novos, trabalhar em Never Alone foi muito pessoal, muito gratificante. Desenvolvemos uma amizade muito grande entre os membros do grupo de desenvolvimento, e relações muito importantes com os membros das comunidades nativas do Alasca.
Você pretende trabalhar novamente em jogos AAA no futuro?
Você nunca sabe o que o futuro reserva, mas posso afirmar com base em minha experiência com Never Alone que seria muito difícil voltar ao AAA. Para mim, nessa escala, a experiência se torna menos pessoal e menos recompensadora emocionalmente. Não acredito que teríamos a oportunidade de viajar para locais como Barrow, no Alasca, participar da caça e captura de uma baleia, ou ter uma discussão real com os membros da comunidade sobre como traduzir os valores culturais deles em incríveis experiências de jogo.
Você poderia falar um pouco sobre o próximo projeto da E-Line Media? Há planos para uma sequência de Never Alone ou vocês estão trabalhando em outro jogo?
Não podemos falar muito ainda, mas posso afirmar que Never Alone despertou um interesse enorme na nossa tese de "World Games" - a celebração da cultura mundial por meio de jogos. Temos muitas ideias interessantes sobre em que direção vamos levar isso agora, mas precisamos de tempo para concluir o trabalho de Never Alone e continuar a construir expertise em parceria com outras comunidades para trazer à vida ótimas experiências de jogo.