O Abutre | Crítica
O ano de 2014 nos trouxe muitos filmes sobre jornalismo ou, quando esse não era o tema principal, colocavam-no em uma posição importante dentro da trama. Só para citar alguns, temos O Mensageiro, Garota Exemplar e o documentário brasileiro O Mercado de Notícias. Esse último, se propôs, através de entrevista e relatos, discutir explicitamente os rumos da profissão e o comportamento dos seus profissionais. Em O Abutre, a ideia de discussão também há, porém, ao contrário de O Mercado, ela é feita através de uma narrativa ficcional que demonstra a fina linha que divide o limite ético e a busca pela audiência.
Lou Bloom – personagem de Jake Gyllenhaal – é um homem que está à procura de qualquer tipo de emprego ou algo que lhe renda algum dinheiro para sobreviver. Logo no início do filme já é possível percebermos isso. Eu uma de suas andanças noturnas, ela é apresentado ao jornalismo sensacionalista de Los Angeles. Com uma câmera na mão, um rádio que capta o canal de comunicação da polícia e um ajudante tão desesperado quanto ele, Bloom começa a explorar a noite e filmar acidentes e assassinatos e vender as imagens para um canal de notícias.
O Abutre carrega uma clara e forte influência de Taxi Driver, de Martin Scorsese. Para começar, é só olhar para o principal cartaz de divulgação do longa e perceber como ele se assemelha ao de Taxi. Além disso, o desespero e falta de senso de Bloom traçam um paralelo com a ruptura de consciência e os traumas de guerra do motorista Travis Bickle. Ambos os personagens procuram um objetivismo nas ruas escuras de suas respectivas cidade a fim de achar seu propósito e lugar nelas. Porém, enquanto Bickle tem nojo do que acontece nas ruas, Bloom acha nelas uma forma de ganhar dinheiro.
O ambiente noturno de Abutre também lembra bastante o filme de Scorsese e, em uma das cenas finais, a caminhada de Bloom pode ser interpretada como uma referência espelhada da caminhada de Travis logo no começo de Taxi Driver. A personagem de Rene Russo representa para Bloom uma mistura do que Betsy e Iris representavam para o motorista de taxi, porém, ao contrário das duas, entende e, por diversos momentos, compactua com as atitudes dele. Outra coisa em comum é o fato de, em ambas as obras, os personagens têm um momento de loucura e raiva contra si mesmo diante de um espelho, talvez porque é através deles que podem ver sua verdadeira face e questionam- ou não aceitam isso.
Gyllenhaal perdeu nove quilos ficar com a aparência esquisita que ele queria e o papel necessitava. O ator vem agradando público e crítica desde Donnie Darko e a cada trabalho é possível ver a habilidade e facilidade que o ator tem em dar vida a personagens completamente diferentes. Seja em comédias românticas, suspenses ou em filmes de ação, se o nome dele está presente no créditos é sinal de que, pelo menos, veremos boas atuações ali. Seu trabalho na construção da personalidade e aparência de Lou Bloom não é diferente. Talvez esse seja seu melhor trabalho e pelo qual, certamente, ele receberá uma indicação ao Oscar de Melhor Ator. Chance de ganhar? Claro, todos têm e mesmo se perder, só o fato de ser lembrado já será mais um grande passo na carreira dele.
Dan Gilroy faz sua estreia na direção e se sai muito bem criando uma estória e atmosfera bem parecida com os filmes noir. Responsável pelos roteiros de produções como Gigantes de Aço, O Legado Bourne e, talvez o melhor deles, Dublê de Anjo, Gilroy deixa uma boa impressão e ótima assinatura, que deverá ser acompanhada com mais atenção por todos daqui para frente. Há um momento curioso em que Bloom fala para os funcionários do jornal que a sua preocupação agora é com o enquadramento, a composição da imagem e com o impacto que isso pode causar nas pessoas. Essa frase poderia muito bem ser intendida como sendo dita por Gilroy, que deixa de ser apenas o escritor e passa a ser o cara preocupado em como suas ideias são representadas na tela e a mensagem transmitida para o espectador.
O Abutre é um filme pós-modernista pleno, carregado de influência não só de Taxi Driver, mas de outros diretores que mudaram a visão de Hollywood, seus roteiros e personagens a partir da década de 1970. Fica difícil falar sobre o filme e analisá-lo sem dar nenhum spoiler, no entanto, o que posso dizer é que, assim com os filmes modernistas de Scorsese, Coppola, Nicholson e sua turma, O Abutre não está para nos apresentar um personagem politicamente correto. Muito pelo contrário, é bem capaz que Lou Bloom seja um dos personagens mais FDPs e egoístas criados nos últimos tempos, porém, é impossível não gostar e considerá-lo incrivelmente rico e verdadeiro, principalmente por conta de seu amor platônico e persistência por aquilo que faz.
Apesar de ser um filme norte americano é fácil nos familiarizarmos com o gênero jornalístico especifico retratado nele, já que nós o consumimos todos os dias à tarde, em nossas casas. Como dito no começo, é um filme que propõe a mostrar a maneiro como o jornalismo sensacionalista lida com a notícia e busca pela audiência. Se generalizar, mas já generalizando, O Abutre mostra aquilo que há por trás das notícias desses programas e questiona o preço e as atitudes tomadas em busca de uma audiência sustentada através do sangue e sofrimento de outras pessoas.