True Detective - 1° Temporada | Crítica
O escritor e roteirista iniciante Nick Pizzolatto tem uma história bacana de vida para contar, ele era um professor que escreveu um romance desconhecido e que um dia perguntou a uma pessoa do ramo; “Como posso virar roteirista de TV?” A resposta foi “escrevendo roteiros”, ele começou, escreveu 6 roteiros, enviou para algumas pessoas e a consequência disso foi nós termos acompanhado 8 extraordinários episódios de True Detective.
True Detective tem uma história ainda mais bacana do que a da vida de Pizzolatto, a série conta a história da investigação do assassinato de Dora Lange, sob a perspectiva dos detetives Marty Hart e Rust Cohle. E com uma atmosfera visual extraordinária, com uma identidade estética própria em um ambiente perfeito para tal, a Lousiana pré e pós-Katrina.
Um dos grandes trunfos da série é estabelecer duas linhas temporais claras logo no inicio da série, porque vemos Marty e Rust conversando com dois detetives no presente, enquanto narram um caso do passado, sobre um assassinato que pode envolver um serial killer ou um grupo de serial killers, satanismo e o líder da comunidade religiosa local. Contudo, fica claro que o assunto foi resolvido em 95, mesmo que tenhamos que acompanhar 5 episódios pra descobrir como ele se resolveu, mas o interrogatório que os dois detetives estão sendo submetidos mais de uma década depois, deixa claro que temos mais de um mistério a entender na série.
Mas os mistérios, os dois, são só um dos deleites que temos em True Detective, o texto é outro, a direção de Cary Fukunaga, que dirige todos os episódios que foram todos escritos por Pizzolatto, o que dá uma unidade de qualidade impressionante, é outro deleite, a Lousiana é outro deleite, e os personagens principais, são os principais pontos fortes da série.
A atmosfera de True Detective é a de uma série quase sobrenatural, a figura do Rei Amarelo, Carcosa e varias outras coisas da trama parecem míticas, e de certa forma, são mesmo referencia a literatura clássica de terror, mas talvez a série se pareça ainda mais um conto de fadas, com Lobos Maus por aí atacando lugares isolados e pessoas desprotegidas, só que a diferença dessa vez é que os dois protagonistas não tem nada de heróis, príncipes e salvadores, eles mesmos são Lobos, que apenas decidiram estar no lado certo da luta da Luz e Escuridão, que de acordo com Rust, é a única história que existe.
Uma das melhores frases do seriado é quando Marty questiona sobre eles serem homens maus (não se vangloriando, mas realmente preocupado com seus caráteres e suas falta de limites) Rust responde que sim, eles são homens maus, mas que isso é bom porque eles são os caras que impedem outros homens maus de atacar os bons. A melhor coisa em uma frase como essa, é não apenas saber que essa é a visão do criador sobre seus personagens, é saber que ela é justificável, quando Rust e Marty encontram Ledoux, aparentemente o vilão da série quando ela está focando o passado, não sentimos que é um perigo para os dois, não sentimos medo por eles, mas sentimos que é Ledoux quem deveria estar com medo.
Em certo ponto, a série parece muito mais focada em estudar a natureza do mal do que em desenvolver seu mistério, Rust por acaso, parece tão focado em desvendar os segredos de todas as coisas do universo do que só em seu caso, apesar de também ser obcecado por ele. Marty, como bem é dito por sua esposa, Maggie (interpretada pela Michelle Monaghan) não sabe quem ele é, e por isso é tão insatisfeito com tudo o que tem.
É claro que não importa o quão bem escrito sejam os dois personagens, se os atores não estiverem a altura deles e nesse ponto mais uma vez a série acerta epicamente ao ter escalado Woody Harrelson e Matthew McConaughey para os papeis de Marty e Rust, respectivamente, por mais que Rust sempre ganhe mais destaque por sua personalidade absurda, ambos estão num nível sublime de atuação e eu me arrisco a dizer, que estão nos melhores papéis e nos melhores momentos de suas carreiras, McConaughey acabou de ganhar um Oscar por Clube de Compras Dallas, mas sem dúvida True Detective é o ápice de sua carreira até agora.
Contudo o texto da série falha ás vezes em tornar Rust alguém realmente estranho e profundo quanto deveríamos achar que ele é, visto que por mais que Pizzolatto tente, a maioria (não todas) das coisas que Rust fala não passa de filosofia barata que qualquer aluno aprende na faculdade depois de 1 mês de estudo, não há nada muito profundo nem muito direcionado nesse quesito de sua personalidade, o que quase o transforma em uma caricatura, só não chega a esse ponto, porque como eu falei, McConaughey está verdadeiramente arrasador no papel e contorna alguns problemas de roteiro.
O texto falha também ao manter o próprio hype, isso obviamente não é culpa da série em si, mas há de se convir que o desfecho dela foi demasiadamente comum, diferente do que tudo indicava, visto a qualidade extraordinária de todo o resto, haveria mais interesse se o Rei Amarelo, não fosse o Rei Amarelo no final e ficasse uma ideia de caso interminável, onde o Rust, poderia concluir que o mal nunca acaba, mas é claro, dizendo isso de uma maneira altamente rebuscada e preocupante, não que a última fala dele não tenha sido extraordinária na série, mas todo o caso complexo e quase sobrenatural que durou décadas se resolver na bala é um pouco decepcionante, ainda que funcione perfeitamente bem.
Se o trabalho de Pizzolatto tem lá uma pequena falha ou outra, o trabalho de Cary Fukunaga é espetacular em todos os quesitos, a forma como a série é dirigida traz uma surpresa a cada episódio, não uma surpresa na trama, mas algum novo e interessante elemento visual, vale mencionar em especial o episódio onde Rust captura Ginger para obter o endereço de Ledoux, quando acontece uma cena de Plano Sequencia que dura por volta de 6 minutos, a cena é extraordinária e completamente bem coordenada e de tirar o fôlego, arriscar algo assim na TV não é algo que sempre acontece, e podemos dizer que Fukanaga foi feito para TV, pois nenhum dos seus jamais teve o mesmo impacto que essa série, nem a mesma qualidade, incluindo aí o seu melhor trabalho Sin Nombre e seu filme mais hollywoodiano, Jane Eyre.
Enfim, a primeira temporada da antologia True Detective foi um misto de um grande e novato roteirista que não estava preso às convenções comuns da TV, grandes atores em papéis extraordinários e um diretor extremamente talentoso que pegou o trabalho dos seus sonhos para exercitar seu estilo, tudo isso misturado a liberdade e dinheiro que a HBO representa, uma tacada de mestre que talvez se repita ou não ano que vem, quando a série estrear com novas histórias, novos atores, mais roteiristas e mais diretores. Vamos ver o que vai ser a partir daqui, mas Pizzolatto tem a minha torcida! [divider top="no"]