360 | Crítica
É bem óbvio que 360 é um filme tão de Peter Morgan quanto de Fernando Meirelles e isso não é um comentário qualquer, é um elogio. Acho Frost/Nixon e Jardineiro Fiel, respectivamente de Morgan e Meirelles, dois filmes dignos de entrar em um Top 10 dos melhores que eu já vi e por isso estava um pouco apreensivo com a repercussão fria que 360 estava tendo.
Talvez a explicação óbvia para esse tipo de repercussão seja que 360 é um tipo de filme sem uma estrutura narrativa padrão, sem antagonista, sem inicio, sem meio, sem fim e até sem propósito e talvez pela dita “ambição” pré-conceituada quanto a ele devido ao fato de ser falado em varias línguas, mostrar uma tênue conexão mundial e se passar em vários países.
Mas é injusto ao menos dizer que o filme é ambicioso e que ele não tem antagonista, os antagonistas estão dentro de cada personagem e justamente por isso é difícil enxergar ambição quando temos uma história tão intimista e com um conceito tão bacana diante de nós.
A ideia que só é engatilhada pela peça La Ronde de Arthur Schnitzler e não adaptada dela, mostra como uma prostituta de “boas intenções” eslovaca atrapalha a vida de um casal em Londres, que influencia em dois brasileiros que moram lá, que por sua vez influenciam em um homem a procura de sua filha, que por sua vez influencia na decisão sobre o fim do casamento de uma espanhola com um russo que vivem em Paris e com isso influencia a vida da mesma prostituta eslovaca. Esse círculo fechado mais a idéia da impulsividade ou hesitação quanto às bifurcações da vida são o foco principal da trama que é bem fechada em seus protagonistas, que são todos os personagens em tela.
Assim como Walter Salles fez com Na Estrada, seria difícil com tantas histórias a serem contadas se identificar com um personagem, então Meirelles sabiamente chamou um elenco de peso para nos transmitir uma primeira empatia, nomes como Rachel Weisz, Jude Law e os arrasadores Anthony Hopkins e Ben Foster que dão um show a parte. Além dos brasileiros Juliano Cazarré e Maria Flor que estão muito bem em cena.
Outros filmes como Babel, por exemplo, são muito mais ambiciosos e vazios do que 360 e não é difícil pegar a si mesmo se identificando com um personagem ou história contada ali, por mais rápida que elas sejam elas são profundas e magistralmente interpretadas. A ideia de Peter Morgan era passar um pouco da sua vida real de viagens e influencias no mundo, até mesmo Hopkins se identificou tanto com seu personagem, que interpretou a si mesmo e contou histórias da sua vida real na improvisação, como a parte do Padre e da menor reza do mundo.
Filmado com a elegância de sempre, Meirelles dessa vez evita maiores arroubos visuais e se mantém no clássico, ainda que vez ou outra faça cortes rápidos e mova a câmera quase insinuando um Hand-helding. A trilha sonora também é charmosa, mas contida, demonstrando que não há muito além dos próprios personagens e história para exibir.
Outro aspecto que da um show aparte é a montagem, difícil, porém extremamente bem executada, um trabalho que se mal feito tornaria o filme incompreensível ou pelo menos complexo, mas não foi o caso aqui porque a história flui em tela com a perfeição das narrativas convencionais e isso por si só é uma grande conquista do filme.
Talvez o único pecado que o filme cometa seja inevitável, pois é proveniente de seu próprio conceito, o círculo que a história faz em torno dela mesmo, que é também um simbolismo de como as decisões de cada um voltam para si próprios. O círculo faz com que abandonemos bruscamente aqueles personagens tão expressivos em prol de seguir a história das influencias de suas escolhas em novos personagens, assim parece sempre que algo não foi contado, não foi finalizado.
Ainda que não atinja o nível emocional que poderia atingir o filme de Meirelles/Morgan tem uma construção impecável e uma ideia filosófica interessantíssima por trás das grandes interpretações, da fotografia elegante e da montagem precisa exibidas, algo que não podia ser diferente já que vieram do comando de dois dos melhores artistas do cinema em suas áreas.