Videogames são arte, e são a forma superior de arte
Não faz muito tempo e eu ouvi uma das piores ideias sobre o que é arte e como quantificar a arte e essa ideia era particularmente injusta com os videogames, basicamente era resumida na frase “se os acadêmicos e os artistas não se importam com o videogame, videogame não é arte”, ou seja, devemos realmente pautar algo tão subjetivo baseado nas opiniões de velhos que talvez nem compreendam totalmente o mundo em que estamos vivendo hoje?
O Wikipédia em inglês, que provavelmente é a fonte de conhecimento mais democrática que existe, e a boa arte é sobretudo democrática, define a arte grosseiramente como “Uma variada gama de atividades humanas e o produto dessas atividades, que geralmente envolve habilidade imaginativa e técnica.”
Eu posso imaginar que existam mais três mil formas diferentes de descrever o que é Arte por aí, variando de frases escritas por pré-adolescentes em fóruns obscuros da internet, ou escritas por senhores pomposos e de cabelos brancos que viveram há séculos atrás e todas elas têm uma coisa em comum... eu não dou a mínima para elas e você provavelmente também não deveria dar, a menos que queira.
Pra mim, que sou uma pessoa consciente, independente, adulta e completamente capaz de formar pensamentos próprios, um conceito tão subjetivo quanto o que é arte pode muito bem ser formulado apenas pela minha compreensão e não pelo que acadêmicos e eruditos no tema têm a dizer sobre o assunto, embora estranhamente eu seja fascinado pelas opiniões alheias. Eu sou o cara que ama assistir o Oscar e que conta os dias para o evento, sabendo que não, a opinião da Academia não é lei, o filme que eles acham o melhor filme do ano quase nunca bate com o filme que eu acho o melhor filme do ano e de certa forma, não existe “o melhor filme do ano” exceto na opinião pessoal de cada um. (Eu mencionei esse tipo de coisas de forma um pouco mais aprofundada AQUI!)
Nesse caso, como a minha opinião sobre o que é arte é tão valida quanto a opinião do MC Guimê, do Beethoven e a sua, eu lhes digo que sim, pra mim videogames são arte e não paro por aí, videogames são a forma superior de arte, a maior forma de arte com que a humanidade já teve contato.
Sim, os videogames ainda são novos, começou em 1972, pelo menos da forma parecida com a que conhecemos, enquanto o cinema começou por volta de 1880 e eu nem quero imaginar quando começou a música, e eu também sei que os games começaram como meros joguinhos e distrações pro dia a dia, uma forma de se divertir, que talvez possa ser arte pra algumas pessoas, mas pra mim não tanto. Eu talvez possa até não considerar Mario ou Sonic trabalhos artísticos, embora tenham sido grandes passos para o que hoje é a arte.
Nesse caso, perdoem-me os nostálgicos, mas games são uma arte que dependem de tecnologia e por mais que EXISTAM sim exceções, as grandes obras de arte, e com arte eu quero dizer esse conceito chato que eu debati há parágrafos atrás, só começaram a surgir de alguns anos para cá.
Nosso mundo hoje pulsa tecnologia, nós usamos celular tanto quanto respiramos, nos relacionamos através de telas e eu particularmente ganho a vida digitando coisas na internet, assim como muita gente hoje ganha a vida falando com câmeras dentro de seus próprios quartos. Então lamento se você acha que cavalos são mais legais que carros, mas não é mais esse o mundo em que vivemos, uma arte em que a tecnologia é metade do esforço é só o passo natural da nossa evolução social.
Dito isso, esse post vai usar como exemplo especialmente um jogo indie recente chamado Beyond Eyes, que fez algo que nenhuma arte jamais foi capaz de fazer até o momento, te cegar. O game da Team 17 é limitado tecnologicamente e talvez não seja tão divertido quanto parece a princípio, mas ele é incontestavelmente uma experiência interessante e única. No jogo nós estamos no papel de uma menina que perde sua visão e a nossa grande missão é na verdade bem simples, encontrar o gatinho dela que sumiu depois do inverno. Não dá para ter um resumo mais singelo que esse.
Enquanto livros como Ensaio sobre a Cegueira, explicitam a cegueira (no caso física e social) em palavras e péssima pontuação, e mesmo na cultura pop podemos ver o quase mágico "mundo em chamas" através dos olhos do Demolidor da Netflix cada vez que os diretores decidem mostrar a ideia, a cegueira vai contra a base da arte visual, ela é literalmente impraticável em diversas mídias e exatamente por isso nós jamais antes experimentamos a ideia de tentar encontrar um gato sendo cego, e quem é dono de gato sabe que é difícil encontrar os bichanos mesmo enxergando.
Obviamente Beyond Eyes tem suas limitações técnicas, é um jogo indie afinal, e até limitações teóricas, mas ainda assim é o mais perto que uma experiência artística teve de nos mostrar a condição humana de ser um indivíduo com cegueira. No game é feito de forma muito poética, assim como Saramago descreveu a condição como "mal branco", nós temos a garota em um cenário absolutamente branco que só se enche de cores, rosa, verde, azul... quando o tocamos ou quando ele emite algum som. Como nossa personagem não nasceu cega, a maioria das coisas se preenche de cores naturais, ela sabe qual é a cor da pedra, portanto um muro de pedra tem cor de pedra quando ela o toca, mas sempre que surge algo novo, esse algo se enche de cores aleatórias que sempre se traduzem como algo que é ao mesmo tempo empolgante, curioso e assustador, eu jamais pude imaginar um mundo dessa forma antes, eu jamais pude refletir sobre a cegueira dessa forma antes e embora essa seja uma representação visual poética, ela certamente é melhor do que qualquer outra representação visual que eu já vi, porque eu não só vi, eu controlei essa condição. Qual arte representou melhor a condição humana de estar cego do que Beyond Eyes? Qual demonstrou uma frustração mais objetiva do que você guiar seu personagem que só anda lentamente por um longo caminho até um lugar para perceber que havia paredes para todos os lados bloqueando seu caminho? Qual obra fez você refletir mais sobre a cegueira do que esse jogo? Jogo esse que é feito através da "chatice" da programação e das "maquinas sem imaginação" que são os computadores?
Engraçado que eu acabei de lembrar que já vi pessoas que defendem o argumento de que games não são artes falando exatamente isso que eu disse acima sobre programação e computadores, mas eu não me recordo jamais de ter visto uma câmera de cinema particularmente divertida, um pincel inteligente ou uma guitarra filosófica.
Óbvio, para cada Beyond Eyes existem cinco Devil May Cry, que não necessariamente são jogos ruins, mas são feitos simplesmente para te entreter, divertir ou simplesmente para passar o tempo, o que novamente, pode ser arte para alguns e eu não discuto isso. E obviamente para cada Ballet existem cinco "Quadradinhos de Oito", para cada Amelie Poulain existem cinco Transformers, para cada Breaking Bad existem cinco Diários de Vampiro, para cada Sia existem cinco Lady Gaga, para cada Rembrandt existem cinco lojinhas de R$ 1,99 vendendo quadros genéricos com frutas por 10 contos.
Antes de eu sequer conhecer Beyond Eyes, eu iria escrever o mesmo post com base em Child of Light, jogo de um braço da Ubisoft (a maior indústria dos games hoje) que é um verdadeiro trabalho artístico em cada frame. O roteiro escrito para o jogo é brilhante e inventivo, os desenhos dos personagens são dos mais notáveis dos últimos anos, o visual que tem toques de aquarela é simplesmente lindo e a música composta por Coeur de Pirate é memorável, eu queria ter jogado algo assim quando eu era criança, porque teria sido uma experiência igual ou até superior na comparação com assistir filmes da Pixar, um dos estúdios cinematográficos mais elogiados por sua arte hoje.
Eu posso (mas não vou, fique tranquilo) preencher mais uns 40 parágrafos só dando exemplos, como é o caso de Ken Levine, idealizador e criador de Bioshock e Bioshock Infinite, que é um roteirista tão bom e que criou uma obra e personagens tão instigantes que a própria Hollywood “importou” seu talento. Ou ainda em questão do texto, podemos falar de Dark Souls, uma franquia que é uma obra prima em diversos sentidos, mas um dos que se destacam é na forma única que o game entrega a sua narrativa, como um quebra cabeça que deixa a trama mais rica e complexa cada vez que você acha mais uma peça, narrando uma tragédia de fantasia digna dos melhores autores do gênero, seu primo mais rico, Bloodborne, conseguiu captar o clima do gênio do terror H.P. Lovecraft como o cinema jamais conseguiu, embora tenha tentado e falhado inúmeras vezes.
Ainda sobre a franquia Souls, eu poderia falar também na forma como o multiplayer se dá, nos forçando a ser formal e respeitoso mesmo em condições ridiculamente competitivas e que rende um clima no game que nenhum outro jogo ou qualquer tipo de interações online conseguem replicar, exceto um... Journey. Tudo o que eu falei sobre Child of Light pode ser repetido para Journey e até intensificado. A forma como o multiplayer funciona no game nos faz interagir com outros seres humanos de forma que nenhum filme, livro, música ou qualquer outra forma de arte clássica fará jamais. Com algumas exceções que sempre existem pelo mundo, nenhum ser humano que não viveu numa era onde a comunicação ainda estava para nascer, vai poder afirmar ter a experiência de ajudar ou ser ajudado por um peregrino anônimo numa jornada por terras desertas, a menos é claro que você jogue Journey, um jogo de videogame em segundo lugar, uma obra prima em primeiro.
Eu poderia continuar e continuar e a cada palavra mais esse texto pareceria uma das famosas “cagações e regra” da internet, mas simplesmente porque eu não quis terminar cada parágrafo com “essa é só minha opinião”, mas certamente é o caso, uma opinião que talvez alguns concordem, alguns discordem e que outros tenham a sua própria diferente do simples concordar e discordar. Mas sim, pra mim pelo menos, o videogame é a maior forma de arte já criada até pela humanidade até hoje, obviamente ela está só engatinhando, como o cinema já engatinhou, como a música engatinhou (e hoje parece caducar), como as pinturas de Picasso já foram antes bonequinhos palitos na parede de cavernas, mas a maturidade dessa arte vai chegar, alinhada a evolução tecnológica e eu mal posso esperar por isso.